Pai da Malta

Data 23/05/2009 17:43:58 | Tópico: Contos -> Humor

Pai da Malta descansava o tédio no cajado, homem super-ocupado entre o pastoreio e a dura e árdua tarefa de fazer filhos para atestar a masculinidade. De repente, os seus olhos fixaram-se no rebanho que, tal como ele, sofria de stress laboral, soltando, de volta e meia, méee…sss, acompanhados à percussão pelos guizos que lhes afeitavam o pescoço e avisavam no caso de alguma ovelha tresmalhar do ajuntamento, de tão treinado que o seu ouvido estava e também por nunca ter furado nenhum tímpano, já que não era dado a noitadas e a músicas, coisa que lhe confundia os miolos. Os serões cumpria-os ele em família e já se sabe a fazer o quê.
De repente, como que sacudido pelo vento, único que ousara, alguma vez, perturbar os seus filosóficos pensamentos, num monólogo, único discurso que lhe era permitido, já que as ovelhas não estavam interessadas em dialogar com ele, balbuciou entre dentes:
- Que diacho! Daqui a pouco a catraia mais nova faz 6 meses e eu ainda não fui à vila registá-la. Amanhã, sem falta, mal rompa a aurora, ponho pernas a caminho e o meu Manel que tome conta do gado. O que faz isto é um tipo estar sempre tão ocupado!
Lembrando-se da janta, com as tripas a roncar, lá foi enxutando o gado que se arrastava pachorrentemente à sua frente, provocando uma nuvem de pó, que a sua Mariete avistava ao longe, sinal que estava na hora de pôr a mesa.
Chegou a casa e perguntou à mulher:
- Oh Mariete o que é a janta, mulher?
Esta, limpando as mãos ao avental, retorquiu, entre dentes, que a ementa não era lá aquele manjar:
- Uma sopa de pão com caldo de nabos e viva o velho!
Pai da Malta informou que, no dia seguinte, iria à vila registar a catraia e não quis palpites quanto ao nome a dar ao seu último rebento, porque há coisas que quem manda é quem fez a encomenda.
Chegado ao registo civil, Pai da Malta, homem de muita educação e respeito, tirou o chapéu à entrada e revirando os bigodes farfalhudos, tesos de falta de água e sabão, fez-se anunciar pelo odor a gado ovino e pelo pisar das botas cujos tacões gastos mais pareciam umas ferraduras.
Ajeitou a compostura e lá se dirigiu ao balcão com o chapéu na mão para lhe dar uma certa confiança, posto o que se esforçou por explicar ao que veio:
- Bom dia, menina! Venho dar o nome a uma catraia que nasceu ontem.
A funcionária olhou para ele de soslaio e habituada que estava aos registos tardios das crianças da aldeia vizinha, perguntou-lhe:
- Quer então dizer que é uma menina, como se vai então chamar?
Pai da Malta ruminou por alguns segundos nos seus pensamentos e respondeu abruptamente:
- Prante-lhe Ana!
A funcionária do registo respondeu que esse nome não constava da lista de nomes autorizados pelo Arquivo de Identificação Nacional e pediu-lhe que escolhesse outro.
Pai da Malta sem tempo para reflectir, se bem cogitou, melhor se precipitou:
- Pode ser Natália que é o nome da minha cunhada, que é uma gaja boa. Até porque, a bem dizer, eu gosto muito mais dela do que da minha mulher!


Incorpora a Antologia "Contos Cardeais" da Editora Mosaico de Palavras.



Maria Fernanda Reis Esteves
49 anos
Natural: Setúbal
Email: nandaesteves@sapo.pt



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