Hei-de cantar a madrugada

Data 29/05/2007 22:38:45 | Tópico: Poemas -> Sombrios

Hei-de cantar a sábia madrugada,
num trono de esmeraldas e cetim,
hei-de cantar a noite e o dia,
sem que o canto encontre esquálido fim.

Hei-de cantar-me no pranto louco da partida,
quando mais não for mais que pó e cinza.

E que o eco me responda em apupos,
e que o vento me sibile a pele pálida,
adensado em veias esvaecidas no ventre.
E que as lavas aglomeradas me suguem
do sangue aos ossos da alma.

Hei-de cantar a noite fria, tal Minerva,
em dobrões finados de magia,
na dobradura de um joelho curvado
no hálito sulfuroso da própria terra.

Hei-de ainda, noite adentro, elevar a voz
ao vento, em êxtase Infinito,
num grito dilatado de quem morreu,
sem ter atingido a claridade álacre do céu.

E nesse instante, amado, amante,
ouvirás na voz da linfa, na voz escorrida
em inquietação do sangue,
na labareda líquida da lua,
a palavra solfejada em melodias de cordas,
o verbo ecoado em celestiais abóbadas,
a promessa reconhecida,
de te amar p'ra além da vida,
na palavra codificada da tua musa jazida.

Hei-de cantar a madrugada num choro prateado,
num trono de esmeraldas e cetim,
no derradeiro instante, em que tu, amado,
colocarás a meu lado as liras do teu jardim…

Naquele em que, com flores, tocarás árias
num gemido inútil, sem fim.

Nesse dia, amado, dobrarão sinos por mim!




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