
Trinta faces diluídas
Data 25/05/2009 22:21:11 | Tópico: Textos
| Trinta faces cravadas na multidão, viraram-se para cima e abriram a boca. E a chuva pingava com vontade de lavar todas as gargantas. Trinta faces, todas vivas, procuraram uma expressão de forma diferenciada. Trinta, todas diferentes das demais. Pinga a pinga, chovia cada vez mais. Caía uma enxurrada de dilúvio. Enchiam-se as bocas abertas que, agarradas às faces, olhavam para cima. Quereria, a água que vinha, apagar as expressões? Talvez fosse esse o objectivo. Ou talvez fosse só lavar as gargantas de pressas feias. Ou talvez fosse só água que caía com força. Trinta faces de olhos pouco abertos, pediam meças à agonia de tentar querer ser diferentes. E a multidão era muito maior que trinta. E as pingas da chuva, todas juntas eram muito mais que uma enxurrada. A multidão molhada, num movimento de inveja, começou a cobrir a cara com as faces que trazia nos bolsos. Foram-se inclinando as cabeças. A olhar para cima, com olhos semi-cerrados, já eram quarenta, cinquenta, cem, muitos, uma multidão e todos com a boca aberta. Os trinta, já não eram trinta e as expressões originais passaram a ser banais. Uma multidão de faces, com a boca aberta, olhavam, agora para cima... indiferenciadas. Nem voz nem nada, só as bocas cheias de água E a chuva acalmou, acalmou e parou. Cheirava a molhado e já não havia ninguém diferente. Fecharam a boca num bochecho, tiraram a face e já haviam desaparecido os trinta.
Por vezes não chove.
Valdevinoxis
|
|