DICOTOMIA DO SILÊNCIO

Data 25/06/2009 18:47:06 | Tópico: Poemas

Houve um tempo em que fomos inocentes de palavras, lembras-te?...
O silêncio, trémulo, quase a medo, encostava-nos os corpos arados de fresco, e os olhos calavam-se, em sede de saber-se abraço, de tactear-se, de consagrar o momento em que se abria o beijo...
Nos nossos silêncios, a palavra era escrita em toques sensíveis, à luz de um olhar que era dos dois, e as tuas mãos, as tuas mãos, colhiam os sentidos frescos e tingiam de rubor a minha pele pronta. Pronta a ser pétala de papel, onde o amor se deitava em poemas calando fundo.
Era o tempo em que o silêncio era nosso.

...

E há este tempo, agora, em que somos do silêncio.
Culpados dele, estorvam-nos os sons repetidos de nos sermos, cada um em si, um contra o outro - e ensurdece-nos o choque das tréguas sem concílio.
Recolhemos ao silêncio as palavras deflacionadas, por desgaste e vacuidade.
A contenda antiqua-se, as armas obsoletam-se, e o refúgio-silêncio toma-nos, na voracidade da queda.
O abismo rasga-nos, em ranger seco de lâmina enferrujada, e o risco que nos marca é só, só, uma palavra desaprendida:
"Amo-te (?)"



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=88341