Oh Ana o que aconteceu?

Data 05/06/2007 19:33:05 | Tópico: Contos

Sentada na vão da escada ouvi a chave a entrar na porta, a maçaneta a rodar, finalmente o vulto de homem entrara, fora até à cozinha como de costume pegar uma maçã, depois começou a subir as escadas. Os seus olhos deram com os meus cobertos de lágrimas.

_ O que aconteceu Amor?

_ Não quero que saibas… Vai buscar os miúdos. Não estou muito bem!

Corri escadas acima até ao quarto, entrei, fechei a porta a chave e enterrei-me na cama.

_ Amor abre a porta, por favor! Vá lá… Oh Ana o que aconteceu? Estás a deixar-me preocupado!

_ Vai buscar os miúdos e leva-os à minha mãe. Já fiz os sacos deles, estão no quarto.

_ Ficas bem Amor?

Apetecia-me dizer-lhe que não mas só iria piorar as coisas…

_ Prometo que vou tentar, vou esforçar-me.

_ Se precisares de alguma coisa liga-me. Volto já.

_ Até já.

Fui até à janela e vi-o entrar no carro, dentro de mim um ardor qualquer, uma raiva, um ódio, uma vontade de partir, uma vontade de ficar. Fui até ao corredor e ajeitei as fotografias em cima do móvel. Os meus pequeninos de cabelos loiros como o pai, tão lindos! Desci as escadas, cheguei à cozinha e sentei-me, tirei do bolso um papel amolgado e comecei a ler pela terceira vez.

“ Minha querida Ana,

Somos amigas à mais de 18 anos, nunca te menti e nunca te ocultei nada não será agora que te darei razões para me achares uma má amiga, um dia prometi-te sinceridade portanto aqui vai.
Na noite passada o teu marido ligou-me a dizer que me queria ver, eu perguntei-lhe o que te tinha acontecido e se era sobre ti a conversa e ele assentiu. Fui ter com ele ao jardim da praça, estivemos a falar um quarto de hora, depois convidou-me para jantar e eu não pude recusar, foi durante o jantar que começou o inferno, começou a dizer coisas de outro mundo, nunca imaginei o Miguel assim!
Disse que estava farto de ti, cansado dos miúdos, disse que queria experimentar ter uma relação com outra mulher para ter a certeza que realmente te amava porque já não sentia prazer ao teu lado. Eu não entendi o que me estava a querer dizer e aconselhei-o a falar contigo.
Acabamos de jantar e ele levou-me a casa, à porta disse que tinha sede e eu entrei e dei-lhe um copo de água, sentou-se no sofá, ligou a televisão e eu mandei-o sair, disse que tu devias estar preocupada, já era tardíssimo. Ele avançou sobre mim, encostou-me à parede, puxou-me a saia para cima e segurando-me pelos pulsos, abriu-me as pernas com o joelho, desapertou as calças… Violou-me Ana. O teu marido violou-me…
Tentei falar contigo pessoalmente, ainda ontem estive no teu trabalho mas sempre que te via desistia da ideia, ontem ameacei contar-te e ele disse para não o fazer porque senão me iria arrepender…

Desculpa amiga, a verdade é dura mas o teu marido violou-me.

Assim que leres esta carta por favor liga-me.”

Pousei a carta sobre o balcão da cozinha, chorei até à casa-de-banho, olhei-me no espelho e chorei mais ainda, desejei não estar ali, desejei não ter que me olhar no espelho…

_ Amoooorr! Onde estás? Já levei os miúdos a casa da tua mãe, estás melhor? Precisas de ir ao médico.

_ Não Miguel, estou bem.

_ Então amor, anda cá. Dá-me um abraço.

_ Não te dou abraço nenhum Miguel, abraço nenhum.

Miguel aproximou-se de mim, não, não era o meu amor do costume, não trazia os olhos carregados de mim, era outro.

_ Mas o que foi que aconteceu afinal?

_ Ainda perguntas? Lê o que ali está.

Agarrou o papel, saiu até à varanda, leu-o enquanto fumava um cigarro.

_ Mas tu acreditas no que esta Mulher diz?

_ Essa Mulher é minha amiga à mais de 18 anos.

_ É maluca!

_ Não fales assim da Maria, Miguel tu não tinhas o direito. Devias ter vergonha. Tens uma família, um lar, uma casa, tens-me a mim… O que te falta?

_ Sabes o que me falta? Paz!

_ Tu tinhas paz até teres cometido esta loucura. Porquê? Porque foste tu fazer isto?

Fui até à varanda e a dois palmos dele disse-lhe:

_ Não vales nada tu. Eu amava-te, amei-te este tempo todo, tivemos dois filhos fruto do nosso amor, tu violaste a minha melhor amiga. Sabes o que tu és? Um porco!

_ Não falas assim de mim, não te atrevas a insultar-me mais uma vez senão…

_ Senão o quê? Bates-me? Logo a seguir ias preso.

_ Não. Não era isso que eu te ia fazer.

_ Então?

Ele entrou na cozinha e eu continuei a disparatar em direcção à rua, de repente senti uma mão nas minhas costas.

_ Miguel o que estás a fazer?







Com o corpo da mulher dentro de dois sacos de lixo na mala do carro, Miguel sentado ao volante bebia uma garrafa de vinho branco. Ao chegar à ponte, parou e cambaleando tirou o corpo do carro e atirou-o rio abaixo.
Enquanto o corpo começava a desaparecer entre a corrente, apressou-se a desaparecer dali antes que alguém o visse.





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