TUA CIDADE NOSSA

Data 28/06/2009 20:53:38 | Tópico: Prosas Poéticas

Ao meu Kim

Apenas não queria ficar em casa. A noite de S. João sempre foi uma autêntica folia para nós: compras, decoração, música bem popular, sardinhas para quem gostar, mesa farta… a única noite do ano em que comias caldo verde… enfim um sem número de lembranças tão gostosas quanto amargas.
Fui então para a Baixa, pois esse programa nunca o havíamos feito juntos, disposta a exorcizar um pequeno grão de areia da falta que me fazes. E porque sentia que era ali que tu me querias: alegre e divertida ainda que por umas horas.
S. Pedro foi muito generoso com os tripeiros, a noite estava magnífica numa profusão divertida de sons e cheiros.
Como que tacitamente, as pessoas mandaram a crise à fava e decidiram só pensar se teriam dinheiro para o resto do mês apenas no dia 25! E estavam alegres e atrevidas, rostos genuínos de genuína alegria e descontracção.
E até os imigrantes se juntaram a nós e olha que no mínimo é estranho ver um chinês aos pulitos de martelo em riste… sinistro até!
Ao passar o Infante, não pude deixar ver a tua cara de desagrado sempre que eu protestava dizendo não entender o que é que a zona da Ribeira tinha assim de tão especial para estar sempre à pinha. Ficavas mesmo indignado! Mas sabes, essa era mais uma das minhas coisas parvinhas… Dizia isso para te provocar. Mas a realidade, ainda assim, é que tu vivias o Porto muito mais do que eu. E admirava-te também por isso.
Enquanto ia de martelinho – vermelho e branco à Salgueiros – provocando e sendo provocada, as memórias começaram lentamente a bailar em mim… as promessas de amor (sempre) eterno à beira-rio… as tardes de preguiça… os passeios… as fotografias… tantas fotografias estão lá em casa atiradas para uma gaveta que pensei nunca mais abrir.
Aos poucos fui redescobrindo a Cidade. Porto de abrigo… Porto de consolo… Porto de memórias.
Quase a terminar a noitada que já era dia, e com os pés a descansar no mar, vi a aurora nublada de um dia que até se anunciava bastante alegre e então aconteceu: sussurraste-me ao ouvido: “Vês, Pequenina, como a nossa cidade é tão bonita?! Só tinhas era que senti-la!”
Percebi então: não fui para exorcizar a dor da tua ausência, fui porque o meu coração sabia que lá te encontraria… e voltei a apaixonar-me pela nossa cidade, pela tua cidade!
Foi mais um presentinho teu.




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