eu não tenho um botão, entende isso?

Data 03/07/2009 19:34:26 | Tópico: Crónicas

sente-se e ponha-se à vontade.
fume um cigarro se quiser.
quantas ruas tem o pensamento, já pensou nisso? quantas horas cabem dentro dos segundos? acha que morrer ao fazer amor é uma morte feliz? e entrar na auto-estrada em contra-mão é um duelo?
respire fundo. controle a pulsação.
o mar há-de vir sobre nós. faça por acreditar na mais pequena ideia do céu. os anjos são pedaços de nós. creio.

tenho uma história na cabeça que não sei como a hei-de contar. para alguns é triste para outros é alegria. o soldado morreu na guerra quando tentava salvar uma criança, deu o seu corpo à bala para salvar a criança. eco: para salvar uma criança para salvar uma criança par-a sal-var uma cri ança crian-ça.

se o sangue falasse o que diria naquela hora? sei que a criança cresceu com uma deficiência no peito. mas não era deficiência física, era algo que os olhos não observam nem a medicina, através de múltiplos rasgos no corpo, não consegue lá chegar. pelo que parece do peito da criança que cresceu e que agora é adulto, saem gritos de guerra, como uma fúria de tambores.

pormenor: o peito pertence a uma rapariga que, como todas as raparigas deste mundo, pensa em ter um filho. assim aconteceu: a vinte de março a rapariga, cujo nome ficará no registo da parteira que lhe tirou o bebé do ventre, pariu um menino de olhos da cor do mar. detalhe: a criança tinha uma pequena mancha no braço esquerdo. assim que a parteira lavou o menino, envolveu-o num paninho quente de lã, entregou-o ao braços da mãe. foram dias felizes os que se seguiram. os gritos que saíam do peito sumiram-se com a mudança de estação.

ninguém sabe descrever a felicidade dos que a sentem, nem mesmo todos os escritores do mundo reunidos num papel. a criança foi crescendo e com ela crescia a pequena mancha do braço esquerdo que de facto se tornava maior e perceptível o seu desenho. há quem acerte no futuro mas não há quem adivinhe no futuro: são duas coisas distintas. já a vida e morte podem ser irmãs gémeas que caminham lado a lado. assim creio.

um dia, na terra, a claridade fez-se ver por dentro das coisas vivas e, na casa onde moravam: mãe pai e filho; se condensaram numa única luz, como se atados uns aos outros por um extenso fio de luz. eram uma fonte que brota.
não havia explicação.
nem método de ilusionismo para resolver o teorema.
repararam que a luz tinha uma origem, um começo: vinha da mancha do pequeno joão onde o desenho dava a vez a uma palavra. mas não era uma palavra qualquer. era uma palavra que em tempos pertencera a uma voz, a um corpo, a um sangue movido. palavra. palavras. palavra. palavras. palavras. palavras. todos sorriram. reunidos num segredo.
eu não sei bem o que dizia a tal palavra que reluzia mas acho que tem a ver com: pai filho e espírito santo.



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