BOCAGE (para) - ÁRIDO CORAÇÃO -

Data 09/07/2009 21:22:34 | Tópico: Sonetos


ÁRIDO CORAÇÃO
(a Bocage)

O meu ser, em fogo ardente,
sobrevoa os vales da solidão.
Desgovernado... sem direção,
navega o Eu em mar dolente.

Meus pés, em busca veemente,
pisam nus a aridez do coração.
Entre desertos e seus desvãos -
arrancam as pedras e sementes.

Se a linguagem de anjo eu não falo,
sofro muito e ninguém sabe ou vê,
naquilo que escrevo, ou no que calo.

Escalo montanhas. Eu desço ao fundo
e, sem fé pura, sem cura, sem porquê,
sou um perdido transgressor no mundo.
***
Silvia Regina Costa LIma
24 de maio de 2009

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Publicado no Recanto das Letras em 09/07/2009
Código do texto: T1690166

http://recantodasletras.uol.com.br/sonetos/1690166


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Um pouco sobre Manuel Maria Barbosa du Bocage

Poeta nascido em Setúbal 15.9.1765 - morto em Lisboa 21.12.1805).

Neto materno de um marinheiro francês, assentou praça, e dois anos depois passou a servir na Marinha, tendo embarcado para Goa. Irrequieto e aventureiro, foge para Macau, donde regressou a Lisboa. Ai entregou-se à vida boémia. Tendo entrado na Nova Arcádia, adotou o nome Elmano Sadino.

Desordenado nos costumes, é preso por desrespeito ao rei e à Igreja, cumprindo a pena no Hospício das Necessidades. Em 1799 recupera a liberdade, passando a viver de expedientes honestos. Teve uma dolorosa mas consciente e regeneradora despedida da vida. Morreu de um aneurisma.

Irmão de Camões na «má fortuna», nas andanças pelo Oriente e nos amores infelizes, foi, talvez, o maior poeta português do séc. XVIII. Publicou os três volumes das Rimas (as suas obras completas formaram sete volumes na edição de 1849-1850).

Se a moldura formal é árcade, a temática é já pré-romântica e mostra o homem ora marcado pelo destino para a desventura, ora esforçando-se por vencer a fatalidade, conciliando amor e ódio, céu e inferno, morte e libertação.

O aspecto satírico da sua personalidade e a vida boémia que o estigmatizou ocultam o ser que nele sofria atormentado pelo desejo de um maior aperfeiçoamento interior.

É assolado por um aneurisma na carótida. Convivendo com o espectro da morte, escreve febrilmente numa luta contra o tempo.
Aos 39 anos, depois de uma vida de angústias, prazeres, sofrimentos, paixões - um devasso cheio de desprezo pelo próprio ser físico, no despontar do séc XIX, desistiu de viver, tendo a literatura portuguesa perdido um dos seus mais genuínos poetas - uma personalidade plural que, para muitas gerações, encarnou o símbolo da irreverência, da luta contra o despotismo e modelo de humanismo integral.

Escreveu alguns dos mais belos sonetos da Língua Portuguesa.

A solidão, o sofrimento, o amor-ciúme, o belo-horrível, a morte, são alguns dos temas que trata, de acordo com o próprio infortúnio da sua vida.







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