
nenúfar, MULHER, navio, poema
Data 16/07/2009 23:24:22 | Tópico: Poemas
| Ali, sozinho no recanto daquele velho lago de águas contaminadas e negras dum jardim que já ninguém visita, cresceu o nenúfar. E desabrochou em flor… uma flor que contra toda a evidência teima em edificar um molhe, qual couraça, que só ela sabe indispensável à vida.
Cada dia, em silêncio, apoderou-se dos olhares sequiosos de uma ou outra criança que por ali passava e o tentava roubar, com mão trémula e hesitante, à quietude do velho lago.
Cada noite, em segredo, contemplou o porte altivo daquele candeeiro de luz mortiça, também ele abandonado à esquina dum jardim que já ninguém visita onde, debaixo dele, montou residência fixa um vagabundo errante e esquecido da vida.
Cada noite, cada dia, em silêncio e em segredo decorou o eco dos passos vazios que deixavam poemas de dor e solidão escritos nas pedras daquela calçada; cada dia, cada noite, contemplava as pedras desse lago e lia nelas signos impossíveis de traduzir o outono da vida que não tardaria a chegar.
Cada dia, cada noite, no movimento pendular das estações do ano abria-se à sumptuosidade do tempo, e da vida, e perdia-se no exílio daquele lago de águas sujas e negras; e resistia ao tempo, firme e erecto na sua cor de vermelho vivo cor do sangue, cor da vida.
Como tu que tantas vezes, e sempre, caminhas erecta e firme sem te dobrares ao tempo, se te é agreste, sem te dobrares aos espinhos da vida que se atravessam no teu caminho, construindo a luz quando o dia tem mais bruma, semeando estrelas no mapa da vida mesmo quando ela tem mais espinhos. Como tu, MULHER-NAVIO-POEMA.
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