Não te vejo mais

Data 09/06/2007 15:00:24 | Tópico: Poemas

Não te vejo mais. Nem sequer o risco ténue
e paralelo das tuas asas sulca esmaecido, o céu.

Desta escarpa alcantilada, deste farol aprumado
vejo apenas, a meu lado, por todo o lado, o mar.
Um livro de folhas minadas, carcomidas,
e nele inscritas a tintas indeléveis, crónicas
inocentes, fragmentos das nossas vidas.

Percorro o silêncio em que me inumaste
nos dedos inflamados de febre.

Folheio as ondas, como quem escreve
versos paridos em luz de instantes rápidos,
arrebatados dos olhos moribundos
de um longínquo amor,
e que em convulsões febris se agita,
tentando avistar-se gaivota,
mais longe,
mais alto,
mais profundo,
para além dos rumores abstractos
que se dançam no focinho pantanoso de fungos,
de bolores e bafios, em recortes de segundos vazios,
apensos compactos nos vidros finos das catedrais
provocando-lhes fractura ruidosa.

Não, não te vejo mais.
Sobre esta ilha desceu agora, como quem chora
uma densa nebulosa.



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