O que te dei, o que te dou, amado...

Data 12/06/2007 16:17:42 | Tópico: Poemas -> Amor

O que te dei, o que dou, amado,
na boca nublada do silêncio,
não cabe num poema,
por mais forte, por mais denso…
Nem sequer no porão do mais espaçoso navio.
Não se amarra
Não se aporta
Esgueira-se lesto, bravio,
nos escombros ruidosos do vento
supurados na voz rouca, na voz baixa,
de nós, permanentes vagas intempestivas,
a varrer, de lés a lés, o areal da costa.

O que te dei, o que te dou, amado,
era o meu tempo – é o meu tempo,
inteiro,
Era o meu corpo – é o meu corpo,
inteiro;
Era sentimento – é sentimento,
inteiro.
Será quiçá um mar de sonhos,
um olhar virgem nas artes d’amar.

Agora que o teu barco ameaça zarpar,
ameaça partir extinto deste porto em que se abriga,
nesta hora desprotegida, inopinada,
em que nem a luz da Lua rodeia os meus braços,
em que apenas vislumbro um só raio ténue de Sol
a iluminar os meus passos, quando fatigados
se ecoam solitários no eco dos teus passos;

Nesta hora ambígua em que ameaças deixar vazia,
a leira sequiosa da minha vida,
ergo a palavra, faço dela rosário, terço, bandeira
e hino - neste clamor de te falar de amor,
de te falar de findas mágoas,
de te falar da fola hirta do mar,
de te lembrar que as marés, tal como nós,
estão sempre em processo, em recomeço...

Elevo a palavra
guiada às cegas nas espigas trémulas das lágrimas,
que mais não são, amado, que neste plano,
pórtico ilimitado de oceânicas águas.




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