QUADRO NEGRO

Data 15/08/2009 09:29:20 | Tópico: Poemas



Um quadro mirabolante
Há muito tempo pintei
Pior c’o inferno de Dante
Foi o que vi e pensei

Eram tão poucas as cores
Que tinha, para o pintar
Que saiu um quadro negro
Como negro era o pensar

Para poderem imaginar
A qualidade do pintor
Vos deixo estas quadras
Para verem esse horror

Pintei a vida de negro
E de roxo a cor da morte
De cinzento a desgraça
A má sina e a má sorte

Colori o tempo com dias
Da cor dos anos, a vida
Pintados foram os meses
Com aguarela diluída

Pintei um preto de branco
O branco de preto pintei
No meio pus um mulato
E pouca diferença, achei

De negro pintei a fome
Com a boca escancarada
E a sua língua de fora
Pelo queixo derrangada

Nos lábios pus uma beata
Dum cigarro amachucado
Pintado da cor do chão
Onde ele fora apanhado

Alguns homens pincelei
Com um amarelo tísico
Pus as costelas salientes
Mas não por defeito físico

As roupas não as pintei
Porque roupa era fartura
Pus uns trapos remendados
Só por decência e lisura

Na noite pintei o dia
Na lua pincelei o sol
Na aurora o crepúsculo
Onde pus um rouxinol

Do petróleo tirei a cor
Para pincelar o mar
De luto pintei as ondas
Com os peixes a boiar

De sangue borrei a guerra
Num vermelho alaranjado
Com uma bala acobreada
Na ferida de um soldado

De uma cor de poluição
Pincelei de cinzento o ar
E nos fumos uma máscara
Para poder-mos respirar

Decorei pingos de chuva
Dum branco empastelado
Pintando depois as ruas
De um sujo acastanhado

De cor de burro a fugir
Esborratei a falsidade
A mentira não tem cor
Nem tempo e nem idade

A um pérola esmaecido
Misturei pós de saudade
Saíu um malva esbatido
Que é cor da infelicidade

O amor!!! Óh esse amor!
Foi o melhor que pintei
Num guache cor-de-rosa
A que outra cor misturei

Uma mistura de amarelo
Que da dúvida é a cor
Juntei-lhe a cor do ciúme
Para lhe dar alguma dor

Ainda esbocei uma boca
Nela, uma dor de esgar
Mas como não tem cor
A dor, desisti de a pintar

A óleo pincelei a política
Numas cores esverdeadas
Como são a cor das cólicas
Que da boca são deitadas

Tentei copiar o dinheiro
Mas dinheiro eu não tinha
Pintei um bolso já roto
Mal cozido com uma linha

Cobri o rico de pobre
E a pobreza de riqueza
Mas não vi a diferença
Só se trocou a tristeza

Tentei pintar o trabalho
Com umas gotas de suor
Mas estava já tão cansado
Que o quadro ficou pior

Ao sol dei uns retoques
Pú-lo mais iluminado
Para dar luz ao quadro
Que tão mal ‘tava pintado

Chamei então um crítico
Para ver e dar sentença
Entre o muito que faltava
Ainda faltava a doença

Não a pinte. - Disse ele
O quadro já está doente
Queime-o, com os pincéis
Senão fica você demente

.........

Moral:

A vida é uma grande tela
Que recebe qualque cor
Para ser um belo quadro
Tudo depende do pintor



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