Rebobino. Está aí alguém?

Data 16/08/2009 11:16:08 | Tópico: Prosas Poéticas

Cheguei ontem aqui nesta folha de papel rebobinado. Está aí alguém? Por favor entrem, mas um de cada vez. Eu disse um de cada vez e não que se amotinem aqui. Corredores absurdos, estes do pensamento onde a palavra não tem pátria e é uma chuva cheia de buracos onde ninguém cabe e de onde ninguém foge. Nem eu. Já não tenho cabeça, caiu de madura aos pés de quem lê as raízes da memória esquecida em hora incerta. Impossível o retorno aos ombros do saber que a ignorância alastrou como vírus sem vacina na preguiça que se instalou na pele, nas mãos, nos olhos do mundo. Esvaziaram-se todas as palavras. E eu, que também sou cobarde, não quero pensar mais nada de nada nem de ninguém. Rasguei as ideias feitas, nenhum livro me serve e o descanso já nem é vício, é obrigação. Façam como eu, quietinhos todos, que a natureza cansou e vai engolir quem se mexer. Silêncio, nem ui nem fui ou já eram. Só esta folha serve nas nossas mentes cegas de futuro. Escrevam só, construam-se de novo por palavras todas novas e todas por usar. O inferno espreita, sabe de cor o alfabeto antigo, todas as línguas, dialectos, sinais e nunca se engana. Depressa, não tenho relógio, não ouvi o cuco, mas sei que o tempo está gasto. Vejo sorrisos que se acabam ao começar, que me atingem e me tingem de fim. Espero, espero, escurece devagar, devagar, cai a noite no papel vazio. Acabou o tempo. Rebobino. Voltarei ontem. Está aí alguém?


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=94938