Considerações íntimas

Data 21/08/2009 18:53:32 | Tópico: Prosas Poéticas

Vou andando com saudades das minhas próprias pegadas e toda vez que as revisito é para ver que tudo desandou. De quando em quando vejo um lenço em aceno, um homem cheirando a éter. Mas não encontro sentido em romper com a solidão justo agora que tenho um dos olhos vermelhos. Não aceno de volta, apenas faço escapar da boca o meu sorriso mais ameno e deixo-me passar. Não há esquinas em minha cidade e por isso não tenho onde encostar-me para olhar o novo.
Planejo-me de forma a nunca ver o sol nos dias pares - esqueci os óculos escuros na adega de quinta onde fui buscar meu orgasmo mais recente. Dentro de mim ainda percebo o gozo, a embriaguez barata que o dinheiro compra, uma ou outra música favorita repetindo-me, repetindo-me, repetindo-me. Qualquer que seja a ressaca eu sigo andando, um pé à frente, outro não.
E porque quaisquer caminhos me podem machucar é que as decisões são dolorosas; tenho as mãos cheias delas e quando não as tomo é quando mais me doem na garganta.
Tão segura em cima do muro que não posso ver os abutres que rastejam à espreita do meu coração já decomposto.
- se eu fosse uma borboleta não seria a que voa, magnífica, sobre o campo de tulipas mas a que, presa à lembrança do casulo, sustenta da lagarta a alma perene, espetada numa coleção sem dono.
Vou andando, esperando encontrar, quem sabe no próximo poema - e também bêbado, um homem que faça sexo como quem ama. Ou talvez não.



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