A ABSOLVIÇÃO DO POETA

Data 22/08/2009 22:42:35 | Tópico: Poemas

"Se todas as possibilidades na ordem e relação das forças já não estivessem esgotadas, não teria passado ainda nenhuma infinidade. Justamente porque isto tem de ser, não há mais nenhuma possibilidade nova e é necessário que tudo já tenha estado aí inúmeras vezes."

- Nietzsche, O Eterno Retorno -


o poeta fabrica o céu porque
conhece o inferno melhor do que
a palma da própria mão

o poema é pomba mas pode
tornar-se bomba e explodir de
repente - isto só depende da
maneira como a flor é tratada

transformar ouro em merda não
deixa de ser uma arte delicada
como imaginar o arcanjo gabriel
trepando com a virgem maria no
momento mágico da anunciação

não tenho ninguém a rezar por mim
esqueci o credo em velhos confessionários
sinto alívio em saber que o poeta
jamais será um pecador: não comete
pecado quem peca contra si próprio
sem no entanto trair-se a si próprio

a poesia absolve o poeta da mesma
forma que também o condena e o mata
para devolvê-lo à vida no colo de uma
mulher não importa se puta ou santa

o poeta dorme acordado para a morte
e quando pensar que escreveu seu último
poema terá concluído apenas o rascunho
de mais um dia que viveu sem saber
que as palavras em doses lentas
já o tinham destruído sem compaixão
no dia em que pensou em
compor seu primeiro verso

(se assim não falou zaratustra
não falou porque não quis
mas assim falei eu
e está dito e falado
com o enxofre das minhas palavras)

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júlio



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