A noite que se demora em mim

Data 15/06/2007 18:43:46 | Tópico: Poemas -> Sombrios

A noite que se demora em mim
tem fome do teu corpo e sede da saliva
que transpira da boca das palavras que escreves
num vício doentio de quem chora e mata
e, logo ferido, espeta o punhal
na carne em que se imola e se flagela dúbio
em cada sílaba
em cada metáfora
em cada imagem em dilúvio.

A noite que se demora no bojo do teu navio -
que te clama da amurada em chamas incendiadas
na erosão de cada folha desfolhada
no riso dionisíaco da alma
em clareiras imperfeitas
em astros desenhados em arcos incompletos
de gestos travados no freio da verborreia -,
refloresce a cada álamo ventoso
antecipando o prazer
antecipando o gozo
do teu corpo sobre o meu corpo,
no contra luz do ventre
na luminescência irisada
de um trilho pontiagudo
de uma poeirenta estrada,
no bailado de esguias sevilhanas
nas cores garridas dos trajes andaluzes
arrebatados em padrões desmedidos:
Que não se alcançam livres de se navegar,
de bolinar o ar do mar,
nos gestos pressentidos e soletrados
na língua de verbo, na rola de um marear.

No silêncio da noite, a madrugada explode
a respirar saudade, como criança abandonada
ao precipício aberto das veias frias dos corais.

No silêncio da noite, a noite que se demora
devora na fome de selváticos animais
o fogo resguardado na pedra de uma fogueira.



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