Eu, Tu e Neruda

Data 24/08/2009 06:40:42 | Tópico: Textos -> Amor

Eu podia sentir a tua presença. Os teus passos. O teu perfume, queimando as minhas narinas. Quando estavas ali, perto de mim, eu conseguia perder-me nas palavras, e, nos sentidos. Não via mais nada. Tudo paralisava e eu só conseguia ver a ti. Não importa onde estivéssemos, sempre foi assim.

Feche os olhos. Deixe-me conduzir nesta dança de emoções. Venha comigo. Estou aqui, e, estarei sempre que quiseres. Não percebes? Ignoro os medos, assim como ignoro os dissabores de um dia, toda vez que os meus olhos podem te ver. Ao teu lado sou o mais tenaz cavaleiro, e, a criança mais melindre. Isso não me importa agora. Venha, deixe, siga-me, ama-me.

Quando tu entraste naquele elevador, não foi só a luz que desligou. Eu me desliguei do mundo, consumindo avidamente da tua presença. A razão foi embora. O sentimento, em sua dominante genética, queimava-me. Podia sentir o calor emanado do teu corpo. Por hora, o que eu poderia fazer?...

Tomar-te, torna-te minha! Em um movimento rápido, inconsciente e instintivo, coloquei-a contra a parede. Com o meu corpo intimamente encostado ao teu, absorvia o teu calor, para dele me fomentar. Tua respiração assoprava constantemente a minha face, mas tu não tinhas mais o controle sobre ela. Nem eu sobre a minha. Tu não podias ver meus olhos, mas podia sentir a minha boca. E com a boca, bem próxima a tua, eu comecei a brincar com os teus lábios... “Ama-me, enfim?”... “Nunca deixei de te amar”...

Meus braços envolveram o teu corpo... Minhas mãos percorriam teus braços, com a ponta de meus dedos... Minha cabeça se acolheu ao teu colo, como se colocasse o ouvido em teu peito, para sentir teu coração... Tu levantaste a minha cabeça, me obrigando a abandonar teu colo... queria que eu a contemplasse, a penumbra... Aproximou tua boca da minha... “Feche os olhos...”

Obedeci... Tu me dominavas, e, eu gostava imensamente disso... Aproximou a boca de meu ouvido e disse lentamente, em tom languido... “Não te amo...”

Estremeci. Eu ali, dominado por ti, envolvido pelo sentimento, enfraqueci diante tuas palavras. Quis afastar-me, por fim a tudo aquilo, mas ao mínimo movimento, tu me retiveste. Retornaste ao meu ouvido, e, com o calor quente de tua boca completou o que havia iniciado... “Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: te amo como se amam certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a alma...”

Retornei-me a condição de dominado. Passei a mão, delicadamente sobre teus cabelos, como se os tirasse do teu rosto, descobrindo o teu pescoço, e, repousei meus lábios sobre ele... e a cada toque de meus lábios sobre a tua pele macia, eu sentia o tremor fino e doce do teu corpo... “Te amo como a planta que não floresce e leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, e a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascendeu da terra.”...

Tombaste a cabeça, como a suplicar por mais... teus braços envolveram o meu corpo, trazendo-o a um colóquio intimista... Tuas mãos percorreram as minhas costas, e, pude sentir as tuas unhas cravadas, crivando-me, marcando-me como teu... “Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo diretamente, sem problemas, sem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira...”

Percorri as minhas mãos pelo teu corpo... fiz carinhos demorados, exaltados, amorosos, reservados... Subi por ele, lentamente, e, ao tocar os teus lábios com a ponta dos dedos, calei-te... senti o completo descompasso de tua respiração. De dominadora, passaste a dominada, e, já não oferecia mais nenhuma resistência... Tuas mãos seguraram a minha cabeça, teus dedos perfuraram os meus cabelos, e, meus lábios, tocando os teus, enfim... “senão assim deste modo em que não sou nem és, tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha, tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho...”

... Beijei-te... intensamente, numa mistura homogênea de sentimentos, desejos, loucura, entrega... Tanto, que quando a luz voltou, e, o elevador se pôs a funcionar inadvertidamente, fomos, jogados ao chão, como se voltássemos a Terra, depois de um transe celestial...



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=95939