
UM ENCONTRO
Data 07/09/2009 12:26:12 | Tópico: Crónicas
| - Você ainda está bonita - ele disse. - Quase não ia reconhecer você, tanto tempo... Acho que é a barba... Sim, é a barba...- ela justificou, sabendo que o golpe da velhice o atingiu certeiro. - A cela talvez fosse escura. Depois, a gente ficava sempre com os olhos no chão. Só quando eles gritavam o nosso nome é que a gente podia olhar. E ainda assim na direção deles. Nossos nomes também eram falsos. E ali não existíamos - ele reparou. Ela puxa um cigarro da bolsa. Oferece. Ele recusa. Algumas crianças passam na rua, com fitas verde e amarela no ombro. É sete de setembro, data cívica. Vão ao desfile. - Você assobiava a Internacional de noite na cela, lembra? - ela diz. Ele não diz nada. Volta a assobiar a Internacional Socialista. Ainda lhe resta um sorriso. E ele sorri com os dentes amarelados de nicotina. - Ou deixar a pátria livre ou morrer pelo Brasil - ela brinca, cantarolando o Hino da Independência. - Morreram tantos - ele diz. - Lembra da Catarina? Que rodou conosco, naquele aparelho, na Vila Mariana? Ela se matou em Paris. Quando deixou a cadeia, a família a mandou pra lá. De tanto que apanhou, ficou louca. Acabou se matando - ela lembra. - Era bonita - ele diz. - Você ainda tá no partido? - ela pergunta. - Que partido? O partido não existe mais. O país acabou. Eu acabei. Trabalho na Bolsa de Valores. Abri as pernas ao capital. O capital me fode, mas paga as minhas contas no fim do mês. Virei um filho da puta. Você ainda sente tesão por Guevara? Ela sorri um sorriso de meia-boca. E responde: - Acho que não. Casei. Tenho dois filhos. Fui a Cuba com meu marido. A turismo. Os dois se despedem. Passa um pouco das nove da manhã. As lojas estão fechadas. A vida está fechada. Hoje é feriado no Brasil.
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júlio
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