#21

Data 08/09/2009 11:10:55 | Tópico: Textos


as sombras que de ti me cantam a cidade, esvaem-se por entre o pó das folhas que caem dos plátanos, no vento que do norte te traz para cada vez mais perto. a certeza do fim precoce entra-me pela boca, queima-me a língua e ferve-me nas gengivas até me apodrecer os dentes todos, dentro da boca a tua ausência a ranger-me as entranhas todas e a remoer-me as vísceras, uma por uma, até não restar mais nada, nem uma lágrima de choro sequer. e entre os dedos das mãos, ausentes, indiferentes, estão ilegíveis os carinhos que não se partilham ainda que se percam como sementes de um mesmo adeus, melancólico ou triste, monótono ou nostálgico como um grito, agudo, perfeito. às vezes nas tardes que me caem sobre os ombros é a tua sombra que me faz companhia, quando se perdem as horas de solidão, entre alguns silêncios ou palavras ditas em câmara lenta. e tantas vezes a mesma sombra me pinta de negro os dias, encobre-me a idade nos braços, anos após anos numa modesta tristeza. dói-me, algures dentro do corpo matam-se as faltas, como um corpo a cair do sexto andar, estatelado contra o chão onde os medos se aninham e se perdem membro a membro, desfigurados na moléstia dos dias que não passam. ainda assim é das tuas noites que se fazem as minhas horas, entre sombras ou luzes presas entre os lábios, feitos de mãos que se perdem sobre braços fantasmas a boiar dentro das lágrimas.



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