Quem sabe, para lá de Cabo-Ledo

Data 10/09/2009 20:28:25 | Tópico: Poemas


Luanda foi a minha cidade da infância, uma Luanda harmonizada e construída sob o jugo colonialista, era a pérola de África como lhe chamavam, destinada a ser ostentação de um regime que procurava legitimar a sua ocupação.
Vejo entre as grades que me separam da rua poeirenta, para lá do posto de policia sujo e indigno o Mussulo, ilha que se une ao continente por uma língua de terra na maré baixa, e ao observar o sol que se debruça sobre ela na ânsia de descansar de um dia ruidoso é a África que me cheira, é aí que me vêem as recordações da infância. Dantes eu não tinha grades, as estatísticas de assaltos e criminalidade ainda não as tinham construído. As grades que haviam eram as da intolerância e do racismo, não se viam mas sentiam…por entre as grades vejo o pó da rua que se levanta a cada veiculo que passa na pressa de ganhar vez no engarrafamento que conduz ao centro. É todo um povo que aprende a viver, é todo um povo que aprende a aprender, orgulhoso da conquista mas ávido de se livrar das grilhetas que subsistem. Olha para o Mussulo, e sente o mar que o envolve, o mesmo de Sangano que se estende para o Bengo para lá da barra do Kwanza, onde o orgulho de ser povo esmorece na quantidade mas nunca na qualidade e aí, tão perto e tão longe a memória reacende-se nos sorrisos francos de um povo que se está a abrir.
Demos-lhe tempo para se afirmarem, tempo para unirem raças outrora desavindas por fronteiras que nós lhes impusemos. E esse sorriso estender-se-á de Luanda ao Namibe, sorrirá na serra da Leba na vigia constante do Lubamgo, chegará a todos os lados quando encetar a sua viajem que começará quem sabe para lá do Cabo-Ledo.




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