metafóricamente vos digo: fodei-vos!

Data 11/09/2009 10:06:24 | Tópico: Crónicas

se eu fosse um objecto seria com certeza, e sem margens para a dúvida, uma escova de dentes. não que eu sonhe com escovas de dentes ou que tenha prazer em olhá-las no seu mais fundo sentido de vida. as escovas de dentes, e se esticar o pensamento para vias-lácteas, pode ser de facto um objecto de prazer.
mas não é isso que me faria mascarar num destes dias de escova dos dentes.

mas se me perguntarem por quê, a minha resposta é como perguntar a um doente de alzheimer onde mora. quem? como? eu disse isso?
no fundo, e desculpe-me este aparato introdutório, a escova de dentes é uma metáfora. ou seja, todos de nós queriamos ser outra coisa, nem que fosse por um dia, uma hora, um minuto.

tenho um amigo que gostaria de ser defunto por duas horas, mas um defunto vivo.
seria como ensaiar a sua morte, saber quem vai chorar quem vai fazer de conta que, se os seus amigos da claque do boavista vieram ou é só bluff quando dizem que quando ele morrer prometem ir todos axadrezados de preto e branco.
acrescenta: quando estamos no caixão o silêncio é genuino, ainda que seja corrompido por alguém que chora no acto de nos beijar a face esticada.

também porque nunca vestiu fato completo e só nessa circunstância deixará que um costureiro lhe tire as medidas entre-pernas. o meu amigo é um inventor, e eu, por falta de tempo, reconstruo a realidade.

e se pudesse eu esta noite ser um elefante iluminado? ou um curandeiro em estado possuido? ou...esqueça! você deve pensar que eu quero brincar aos carnavais! todas as máscaras são possíveis ou impossíveis de se ver o fundo?

estudei freud ao sol da praia e quase que juro que todo o cenário em minha volta: banhistas, mar, areia, vento, crianças admirando os praticantes de pára-pente no ar, tudo isto, uma fotografia. como que um tempo parado, sem recursos de david cooperfield, apenas o livro das interpretações dos sonhos passava as suas páginas sem necessário o uso dos meus dedos, que por sinal esfriavam a cada capítulo novo.

quem não sonha vai temer um dia, alguém me disse assim que fechei os olhos para sossegar um pouco.

sonhar pode ser até um pequena-grande brincadeira dos deuses,
que por nos acharem palermas,
oferecem-nos,
sem que ninguém se aperceba,
pequenas gotas de sonho para juntarmos ao café da manhã.

e perguntais vós, acrósticos deste mundo, e eu que não tomo nem gosto de café? repito: metáfora! já ouviu dizer? claro que sim, não o considero assim tão alheio, você está aqui nesta página, não por obrigação mas por conselho de algum amigo seu.

o meu destino está reservado, não vá ele falhar de repente o seu stock.
por isso adio a minha sorte e o meu azar por melhores dias. para já, neutro.

construo imagens sobre imagens tal pintor que não tem dinheiro para comprar telas,
e que depois da obra feita,
e de se masturbar perante ela,
sobre ela,
volta ao branco inicial.

a criação dos homens partiu de uma ideia, uma ideia base que foi evoluindo e melhorada através dos tempos. os actuais retocam a geração anterior e assim sucessivamente. eu era um cavalo livre pelo campo. disto tenho a certeza.

uma dúvida: a certeza pode ser quase? eu cavalo, virgem de nunca ser montado, a galope pelas ilhas do fogo, crina escangalhada, patas com cascos. ou patas com rodas? ainda que sim, eu seria cavalo, pois parte do meu corpo e pensamento era uma carne insondável.

ao meteram-me num curral fizeram-me odiar as coisas, malogrado, a ter prazer do escuro. o cavalo que era o homem que sou. fosse eu em noites de nenhum prazer um pescador de deus.

ter terra e mar para descobrir-me-te. pago à fiança com promessas supra-imaginárias.
ter um harém de flores e plantas paras as minhas ofertas de marroquinarias.

ó realidade única, úrica e imprecisa, aparece à cena, mas não tragas as pistolas carregadas, só o pensamento. vou partir e não sei quando chego. mas, antes disso, posso ser eu mesmo neste momento? posso? então, metafóricamente vos digo: fodei-vos!


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