Quero gritar e ninguém ouve!

Data 12/09/2009 22:49:25 | Tópico: Textos

Um dia, na televisão, vi correr uma lágrima na cara de uma preta de peito seco e criança de barriga cheia por falta de recheio (e que cheia estava!).
O locutor franzia o sobrolho, enrugava a testa, semicerrando os olhos (como se se condoesse), torcia o nariz e dizia uma data de bacoradas inconsequentes... frases feitas. Faz parte do guião... enfim, a conversa do costume com é de praxe.
Do resto da notícia (qual notícia?) nem falo... bem, até falo. Falo da novidade que é sempre um jantar farto entre eminências balofas (as do costume), para angariar apoios e concertar políticas para o combate à fome (de quem?). E que belo jantar contra a fome (mas de quem???). Teve comida, discursos e tudo.
E lá estava outra vez a preta e o pretinho na televisão envolvidos de moscas, essas sim, em farto repasto (seria por solidariedade, também?).
O jantar foi comido e pago por algum benemérito. Quem terá sido?
Talvez o gajo que vendeu dez M16, trinta lança-granadas, vinte e quatro lança-rockets e uma centena de minas anti-pessoais, à milícia que não deixa passar o camião do arroz (Que raio! Uma pessoa tem que fazer pela vida para não morrer à fome!).

Noutro dia, noutro mês, quando estiver outra vez na moda, vou ver no noticiário da televisão, outra preta, que já nem chora, com o peito seco sobre o umbigo e uma cria macrocéfala, barriguda com duas rótulas redondinhas... Ah! Esquecia-me das moscas...

... e depois vem a publicidade.

Valdevinoxis

(originalmente publicado no Luso em 29/05/2007)


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=98772