Ninguém sabe o que temos

Data 18/09/2009 21:59:21 | Tópico: Textos


O tempo havia roído as paredes. A solidão era o carrasco da alma, e, a escuridão se afrontava diante das investidas do vento. Não se ouvia mais o sorriso de teus passos. Não se sentia o passo do teu sorriso nascente das manhãs oníricas. As portas, lavadas pela força das últimas lágrimas, regiam a única sinfonia que se ouvia daquele lugar. Graves sustenidos. As peças de madeira, decoradas pelas tuas mãos tão delicadas, e, quebradas em meus descompassados acessos de fúria e lágrimas. A mim não adiantara aquele nosso último romper de acordes. Semeara apenas a amargura e a infelicidade concreta em partitura. A ti, alforriara a alma que tanto se calou e chorou. Abandonaste a última sentença ainda dependurada nas curvas da interrogação, enquanto, atrás te ti, meu coração soluçava em reentrante exclamação:

É cedo, não ouviste ainda a cotovia? Não te vás agora! Não te vás! Não te vás!


O sofrimento havia encontrado a sua clausura. Celibatária era a dor que eclodia em meu peito. Ordeno-me ao mundo como homem que ama e sofre. Perdoa-me, amor, mas sem ti não fico mais nem um segundo.

Afasto as cadeiras, os móveis da casa. Escancaro as janelas, arrombo todas as portas. Percorro as ladeiras que te tomam, agora, de mim. Tropeço nas pedras de um caminho sem fim. Avisto-te de longe, aperto meu passo junto ao teu. Alcanço-te, seguro-te pelo braço, envolvo-te inteira pela cintura. Olho-te nos olhos com expansiva ternura. Afasto-te os cabelos dos olhos. Ajeito minha mão, segurando o teu rosto. Aproximo os meus lábios dos teus sem demora. Tu respondes fechando os olhos, movimento ritmado ao meu. Desprendo-te, ao fim de tanto silêncio, este beijo de amor que sempre foi teu.

E quem achar desmedidas estas linhas de agora, não sabe do amor de quem as escreveu.



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