ENQUANTO A CHUVA NÃO VEM

Data 19/09/2009 18:11:17 | Tópico: Poemas

para Teresa Rita Lopes


o poema saiu assim meio asfixiado
peixe fora dágua a se debater em sílabas
a letra trêmula
minhas mãos exaustas após uma noite de bebedeira
não conseguem segurar a xícara de café
na memória tenho guarda-chuvas negros
em permanente estado de viuvez
mais tarde deve chover
pássaros agourentos procuram abrigo
nos beirais da igreja do carmo
ontem o sacristão foi atropelado
por isso os sinos não tocaram às seis horas
homem bom era casto
se tivesse prestado atenção no horóscopo
não teria atravessado a rua
e nem saído de casa
agora é tarde
minhas mãos continuam trêmulas
bebo muito quando estou exilado de mim
tenho um aperto forte no peito
quase uma dor que me arranca o ar
no entanto fumo
da janela do meu quarto assisto à procissão diária
homens são formigas
carregando andores imaginários
penso em tirar do armário o par de galochas que não tenho
e sair assobiando uma canção antiga
qualquer canção antiga

tomara que chova muito teresa
e a chuva arraste pra bem longe
o pó de mais um dia

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júlio


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