Todos os Poetas

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Viagem
em 03/10/2007 21:00:00 (5030 leituras)
António Gedeão

Aparelhei o barco da ilusão

E reforcei a fé de marinheiro.

Era longe o meu sonho, e traiçoeiro

O mar...

(Só nos é concedida

Esta vida

Que temos;

E é nela que é preciso

Procurar

O velho paraíso

Que perdemos).

Prestes, larguei a vela

E disse adeus ao cais, à paz tolhida.

Desmedida,

A revôlta imensidão

Transforma dia a dia a embarcação

Numa errante e alada sepultura...

Mas corto as ondas sem desanimar.

Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.

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O maior bem
em 30/09/2007 15:40:00 (9441 leituras)
Florbela Espanca

Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.

Mesmo a beijar-me a tua boca mente...
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Poisa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vãos dizeres!...

Mas que me importa a mim que me não queiras.
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo

Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
E, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?


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Morro do que há no mundo
em 28/09/2007 16:10:00 (4614 leituras)
Cecília Meireles

Morro do que há no mundo:
do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:
com lembranças amadas,
porém desesperadas.
Morro cheia de assombro
por não sentir em mim
nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferência
fica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.



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Confissão
em 28/09/2007 16:10:00 (9008 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde , ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo o que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, múrmurios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido-
que se esfacelou na asa do avião.



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A uma rapariga
em 28/09/2007 16:00:00 (8039 leituras)
Florbela Espanca

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste de uma flor!...



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Além da terra. além do céu
em 28/09/2007 16:00:00 (20142 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.


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A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios
em 27/09/2007 22:20:00 (5662 leituras)
Bocage

A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante:

Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante:

Lubíbrio, como tu, da sorte dura,
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura:

Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da natureza.


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A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro
em 27/09/2007 22:20:00 (6727 leituras)
Bocage

Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:

Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:

Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa
A malfadada Inês na sepultura.

Bocage


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O amor antigo
em 27/09/2007 17:10:00 (23042 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige, nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.


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Destruição
em 27/09/2007 17:00:00 (8057 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.


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O seu santo nome
em 27/09/2007 16:50:00 (6155 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.


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Em Hydra, evocando Fernando Pessoa
em 21/09/2007 15:57:48 (3498 leituras)
Sophia Andresen

Quando na manhã de Junho o navio ancorou em Hydra
(E foi pelo som do cabo a descer que eu soube que ancorava)
Saí da cabine e debrucei-me ávida
sobre o rosto do real - mais preciso e mais novo do que o imaginado

Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto de uma ilha grega

Murmurei o teu nome
O teu ambíguo nome

Invoquei a tua sombra transparente e solene
Como esguia mastreação de veleiro
E acreditei firmemente que tu vias a manhã
Porque a tua alma foi visual até aos ossos
Segundo a lei de máscara do teu nome


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Odalisca
em 21/09/2007 15:51:40 (4176 leituras)
Nuno Júdice

Contam que se entrega aos ventos favoráveis
do amor. Estátua de mármores nocturnos,
assistiu a uma debandada de desejos
na pele dos amantes. No olhar calcinado
pela espera, derrama-se o fogo já frio
das vésperas inúteis. Para que lhe servem os braços,
agora que todos partiram, e só uma corrente
de silêncio a prende ao leito?

No entanto, deito-me com ela. Um degelo
de pálpebras limpa-nos de uma cinza
de solidão. E diz-me: «Quero perder-me
numa encruzilhada de abraços; afogar-me
num poço de gemidos; esquecer-me de mim
no fundo da tua memória.» Deixo-a
entregue a si própria; e pergunto o que fazer
do calor dos seus lábios, da ânsia
que os seus dedos soltam, do tempo
que estremece no seu corpo?


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Amar
em 21/09/2007 14:00:00 (14418 leituras)
Florbela Espanca

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais este e aquele, o outro e a toda gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disse que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que eu saiba me perder... pra me encontrar...


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Soneto do amor total
em 21/09/2007 14:00:00 (7794 leituras)
Vinícius de Moraes

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


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Quero
em 21/09/2007 13:52:35 (16653 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.


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Inconstância
em 21/09/2007 13:50:00 (9097 leituras)
Florbela Espanca

Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...



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Abaixo o mistério da poesia
em 18/09/2007 23:00:00 (7408 leituras)
António Gedeão

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
E um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
Para ver quem é,
Enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
E correr pelos interstícios das pedras, pressuroso e vivo como vermelhas minhocas
Despertas;
Enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
Órfãos de pais e mães,
Andarem acossados pelas ruas
Como matilhas de cães;
Enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
Com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
Num silêncio de espanto
Rasgado pelo grito da sereia estridente;
Enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
Cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
Amassando na mesma lama de extermínio
Os ossos dos homens e as traves das suas casas;
Enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
Enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA

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O sonho
em 18/09/2007 22:51:18 (12882 leituras)
Sebastião da Gama

Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria,
ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

-Partimos. Vamos. Somos.


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Conselho
em 16/09/2007 13:50:00 (6028 leituras)
Eugénio de Andrade

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.









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Meio-dia
em 16/09/2007 13:44:20 (3643 leituras)
Sophia Andresen

Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo,
Parece bater palmas.


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Apagar-me
em 13/09/2007 22:32:32 (12399 leituras)
Paulo Leminski

apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme


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Um poema
em 13/09/2007 22:32:04 (6080 leituras)
Paulo Leminski

um poema
que não se entende
é digno de nota

a dignidade suprema
de um navio
perdendo a rota


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Moinho de versos
em 13/09/2007 22:31:39 (14766 leituras)
Paulo Leminski

moinho de versos
movido a vento
em noites de boémia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia


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Poema que aconteceu
em 12/09/2007 23:15:24 (10686 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.


A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.


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A noite na ilha
em 12/09/2007 12:10:00 (4319 leituras)
Pablo Neruda

Dormi contigo a noite inteira junto ao mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde os nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
em baixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez o teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra o meu braço
rodeava a tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam nos separar.
Dormi contigo, amor, despertei, e a tua boca
saída do teu sono deu-me o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi o teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.



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Desencontrários
em 12/09/2007 12:04:23 (16733 leituras)
Paulo Leminski

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.


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Tortura
em 12/09/2007 00:20:00 (6224 leituras)
Florbela Espanca

"Tirar dentro do peito a Emoçao,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!"



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Em todas as ruas te encontro
em 11/09/2007 14:20:00 (6594 leituras)
Mário Cesariny

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco


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Razão de ser
em 11/09/2007 14:18:28 (16528 leituras)
Paulo Leminski

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?


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O Amor
em 01/10/2007 19:26:54 (12812 leituras)
Mário de Sá-Carneiro

O amor

MOTE

Amor é chama que mata,
Sorriso que desfalece,
Madeixa que desata,
Perfume que esvaece.

(popular)

GLOSAS

Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.

Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.

Mário de Sá-Carneiro


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Os meus versos
em 30/09/2007 15:40:00 (6602 leituras)
Florbela Espanca

Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento.
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...


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Infância
em 28/09/2007 16:10:00 (11800 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

A Abgar Renault

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


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Sem título
em 28/09/2007 16:10:00 (4281 leituras)
Pablo Neruda

É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.


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Ódio?
em 28/09/2007 16:00:00 (7442 leituras)
Florbela Espanca

Ódio por ele? Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto...

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Como um soturno e enorme Campo Santo!

Ah! nunca mais amá-lo é já bastante!
Quero senti-lo d’outra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele? Não... não vale a pena...


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Soneto de Amor
em 28/09/2007 16:00:00 (9418 leituras)
Pablo Neruda

Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa,

sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu é,
e desde então é, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.



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Visão realizada
em 27/09/2007 22:20:00 (3911 leituras)
Bocage

Sonhei que a mim correndo o gnídeo nume
Vinha coa Morte, co Ciúme ao lado,
E me bradava: <<Escolhe, desgraçado,
Queres a Morte, ou queres o Ciúme?

>>Não é pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpões que tens provado;
Mas o monstro voraz, por mim criado,
Quanto horror há no Inferno em si resume.>>

Disse; e eu dando um suspiro: <<Ah, não m'espantes
Coa a vista dessa fúria!... Amor, clemência!
Antes mil mortes, mil infernos antes!>>

Nisto acordei com dor, com impaciência;
E não vos encontrando, olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausência!


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Aquele que aproxima os que sempre estarão
em 27/09/2007 22:20:00 (4460 leituras)
Cecília Meireles

Aquele que aproxima os que sempre estarão
distantes e desunidos
e separa os que pareceriam
para sempre unidos e semelhantes
enxuga meus olhos
no alto da noite de mil direcções.
Encostada a seu peito,
contemplo desfigurada
o negro curso da vida
como, um dia,
do alto de uma fortaleza
vi a solidão das pedras milenares
que desciam por suas arruinadas vertentes.

Cecília Meireles


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Invocação à Noite
em 27/09/2007 17:00:00 (4241 leituras)
Bocage

Ó deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d'amor os sôfregos instantes:

Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

Bocage


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Tuas mãos
em 27/09/2007 17:00:00 (9399 leituras)
Pablo Neruda

Quando tuas mãos saem,
amada, para as minhas,
o que me trazem voando?
Por que se detiveram
em minha boca, súbitas,
e por que as reconheço
como se outrora então
as tivesse tocado,
como se antes de ser
houvessem percorrido
minha fronte e a cintura?

Sua maciez chegava
voando por sobre o tempo,
sobre o mar, sobre o fumo,
e sobre a primavera,
e quando colocaste
tuas mãos em meu peito,
reconheci essas asas
de paloma dourada,
reconheci essa argila
e a cor suave do trigo.

A minha vida toda
eu andei procurando-as.
Subi muitas escadas,
cruzei os recifes,
os trens me transportaram,
as águas me trouxeram,
e na pele das uvas
achei que te tocava.
De repente a madeira
me trouxe o teu contacto,
a amêndoa me anunciava
suavidades secretas,
até que as tuas mãos
envolveram meu peito
e ali como duas asas
repousaram da viagem.



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Ó tu, consolador dos malfadados
em 25/09/2007 14:50:00 (3040 leituras)
Bocage

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!

Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.



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Inicial
em 21/09/2007 15:54:54 (5538 leituras)
Sophia Andresen

O mar azul e branco e as luzidias
Pedras: O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida


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Epigrama gastronómico
em 21/09/2007 15:49:20 (3377 leituras)
Nuno Júdice

Há mil e cem anos
de poesia num só dia,
mil e cem palavras
numa só sílaba,
mil e cem páginas
numa linha

- quando abro o livro
do teu corpo, e provo mil
e cem receitas num só
amor.


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Pela luz dos olhos teus
em 21/09/2007 14:00:00 (10283 leituras)
Vinícius de Moraes

Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.



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Meu Deus, eu quero a mulher que passa
em 21/09/2007 14:00:00 (10654 leituras)
Vinícius de Moraes


Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.


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Amor e seu tempo
em 21/09/2007 13:51:40 (5137 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.


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Um poema
em 19/09/2007 00:20:00 (11672 leituras)
Miguel Torga

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...


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Não posso adiar o amor
em 18/09/2007 23:00:00 (16396 leituras)
António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio

Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração


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Bucólica
em 16/09/2007 13:50:00 (34184 leituras)
Miguel Torga

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.



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Motivo
em 16/09/2007 13:50:00 (4129 leituras)
Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.



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Leituras
em 16/09/2007 13:42:09 (3203 leituras)
Mário de Sá-Carneiro

“Um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chama-lhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria, são doidos... “

In: “Loucura” Mário Sá Carneiro


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Parem
em 13/09/2007 22:32:16 (5581 leituras)
Paulo Leminski

parem
eu confesso
sou poeta

cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face

parem
eu confesso
sou poeta

só meu amor é meu deus

eu sou o seu profeta


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Entre a dívida externa
em 13/09/2007 22:31:52 (5720 leituras)
Paulo Leminski

entre a dívida externa
e a dúvida interna
meu coração
comercial
alterna


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Poema de sete faces
em 12/09/2007 23:17:40 (13659 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.



As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.



O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.



O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.



Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.



Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.



Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.




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Se cada dia cai
em 12/09/2007 12:10:00 (9955 leituras)
Pablo Neruda

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.






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Amor, então
em 12/09/2007 12:04:36 (13808 leituras)
Paulo Leminski

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


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Castelã da tristeza
em 12/09/2007 00:20:00 (4549 leituras)
Florbela Espanca

"Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor...
E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês?... A quem?...
- E o meu olhar é interrogador -
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Choro o silêncio... Nada...Ninguém vem...

Castelã da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
à sombra rendilhada dos vitrais?...

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho?... Porque anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?..."



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Lembra-te
em 11/09/2007 14:20:00 (5766 leituras)
Mário Cesariny

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos


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Autografia
em 11/09/2007 14:20:00 (3180 leituras)
Mário Cesariny

sou um homem

um poeta

uma máquina de passar vidro colorido

um copo uma pedra

uma pedra configurada

um avião que sobe levando-te nos seus braços

que atravessam agora o último glaciar da terra



o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado

à morte!

os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que

existe nele uma árvore miraculada

tenho um pé que já deu a volta ao mundo

e a família na rua

um é loiro

outro moreno

e nunca se encontrarão

conheço a tua voz como os meus dedos

( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )

tenho um sol sobre a pleura

e toda a água do mar à minha espera

quando amo imito o movimento das marés

e os assassínios mais vulgares do ano

sou, por fora de mim, a minha gabardina

e eu o pico Everest

posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita

e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca

porque tu és o dia porque tu és

a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola

do rei morto, do vento e da primavera

Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa

Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.

Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.

Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá

passaram.

Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra

uma carruagem de propulsão por hálito

os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde

passei uma só vez

tudo isso vive em mim para uma história

de sentido ainda oculto

magnifica irreal

como uma povoação abandonada aos lobos

lapidar e seca

como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo

é por isso que eu trago um certo peso extinto

nas costas

a servir de combustível

e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser

escrupulosamente electrocutadas vivas

para não termos de atirá-las semi-mortas à linha

E para dizer-te tudo

dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou

em franca ascensão para ti O Magnifico

na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos

e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais

nem

lágrimas à porta das famílias

sou eu meu bem sou eu

partido de manhã encontrado perdido entre

lagos de incêndio e o teu retrato grande!



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Saiba morrer o que viver não soube
em 10/09/2007 20:30:00 (7944 leituras)
Bocage

#Meu ser evaporei na lida insana
do tropel de paixões que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta e si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
ganhe um momento o que perderam anos
saiba morrer o que viver não soube."



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