Autografia

Publicado em 11/09/2007 14:20:00 | Tópico: Mário Cesariny

sou um homem

um poeta

uma máquina de passar vidro colorido

um copo uma pedra

uma pedra configurada

um avião que sobe levando-te nos seus braços

que atravessam agora o último glaciar da terra



o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado

à morte!

os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que

existe nele uma árvore miraculada

tenho um pé que já deu a volta ao mundo

e a família na rua

um é loiro

outro moreno

e nunca se encontrarão

conheço a tua voz como os meus dedos

( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )

tenho um sol sobre a pleura

e toda a água do mar à minha espera

quando amo imito o movimento das marés

e os assassínios mais vulgares do ano

sou, por fora de mim, a minha gabardina

e eu o pico Everest

posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita

e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca

porque tu és o dia porque tu és

a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola

do rei morto, do vento e da primavera

Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa

Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.

Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.

Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá

passaram.

Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra

uma carruagem de propulsão por hálito

os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde

passei uma só vez

tudo isso vive em mim para uma história

de sentido ainda oculto

magnifica irreal

como uma povoação abandonada aos lobos

lapidar e seca

como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo

é por isso que eu trago um certo peso extinto

nas costas

a servir de combustível

e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser

escrupulosamente electrocutadas vivas

para não termos de atirá-las semi-mortas à linha

E para dizer-te tudo

dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou

em franca ascensão para ti O Magnifico

na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos

e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais

nem

lágrimas à porta das famílias

sou eu meu bem sou eu

partido de manhã encontrado perdido entre

lagos de incêndio e o teu retrato grande!



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