| |  
 
 Poema à mãePublicado em 25/04/2007 22:50:00 | Tópico: Eugénio de Andrade
 
 |  | No mais fundo de ti Eu sei que te traí, mãe.
 
 Tudo porque já não sou
 O menino adormecido
 No fundo dos teus olhos.
 
 Tudo porque ignoras
 Que há leitos onde o frio não se demora
 E noites rumorosas de águas matinais.
 
 Por isso, às vezes, as palavras que te digo
 São duras, mãe,
 E o nosso amor é infeliz.
 
 Tudo porque perdi as rosas brancas
 Que apertava junto ao coração
 No retrato da moldura.
 
 Se soubesses como ainda amo as rosas,
 Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
 
 Mas tu esqueceste muita coisa;
 Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
 Que todo o meu corpo cresceu,
 E até o meu coração
 Ficou enorme, mãe!
 
 Olha - queres ouvir-me? -
 Às vezes ainda sou o menino
 Que adormeceu nos teus olhos;
 
 Ainda aperto contra o coração
 Rosas tão brancas
 Como as que tens na moldura;
 
 Ainda oiço a tua voz:
 Era uma vez uma princesa
 No meio do laranjal...
 
 Mas - tu sabes - a noite é enorme,
 E todo o meu corpo cresceu.
 Eu saí da moldura,
 Dei às aves os meus olhos a beber.
 
 Não me esqueci de nada, mãe.
 Guardo a tua voz dentro de mim.
 E deixo as rosas.
 
 Boa noite. Eu vou com as aves.
 
 
 **************************************************
 
 | 
 |