Contos em palavras contadas

Publicado em 23/10/2010 15:56:09 | Editora: Outras Editoras

Os contos neste livro de João Nery estruturam-se com palavras contadas: cento e cinco. Distribuídas em dez ou onze linhas. O texto, quase uma mancha na página branca, mais imagem que palavra, ou, à semelhança de imagem. Um convite para um novo leitor nem sempre com tempo e fôlego para grandes distâncias. No limite, a narrativa inteira, pequena mas inteira. Nada falta, nada sobra. Sobriedade verbal. Para essas narrativas, aplicam-se bem as técnicas do haicai, marcadas pela condensação e pelo laconismo, na tentativa de chegar à concisão e à síntese, evidenciando não mais os limites claros entre a poesia e a prosa, mediante a introdução, no conto, da técnica de construção do poema e estabelecendo a rarefação das linhas demarcatórias entre os gêneros.
São narrativas que prendem o leitor pela estrutura: criam uma expectativa, comprometem-se com o leitor e presenteiam-no com um final inesperado, uma ruptura. Daí, conto quase-silogismo, pois descreve uma situação inicial em que envolve personagem e espaço, enovela o leitor e frustra o previsto e o esperado com a intromissão de um invisível, mas perverso “mas”, que se interpõe entre a situação inicial e o desfecho. Adversidade narrativa.
João Nery é, antes de tudo, um poeta. Sua produção neste gênero é significativa e conhecida, e se deixa mostrar nessas incursões pela narrativa que se carrega de musicalidade, de imagens, de ritmo, enfim, de poesia. No invólucro de uma narrativa lacônica, travestida do poético, enseja a presença de um narrador poeta. Ruptura de gêneros? Quebra dos limites? Mescla de conto, poesia e crônica? Tudo isso. Um pedaço de vida num pedaço de tempo, em síntese necessária em que o menos é mais.
Narrativas marcadas, ainda, pela linguagem cinematográfica, indiciada nos cortes bruscos, na superposição de planos, na montagem e nas elipses, como se pode verificar nos contos “Velozcidade” e “Anúncio de Jornal”, verdadeiros mistos de poesia concreta, conto haicaico, estilo telegráfico, desmontagem e reordenação do signo lingüístico; no limite, representação futurista da encarnação da velocidade.


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