Abril 2008 - José Torres
Categoria : Luso do mês
Publicado por Luso-Poemas em 09-Apr-2008 23:10
Neste meio, onde a criação é mãe de filhos incontáveis, destacamos, no mês de Abril, o Luso José Torres.
O José é um daqueles que não tem par, é tão único que não se dilui entre os demais. Sem cair em elogios de vento poderemos dizer (e por certo todos concordarão) que este autor faz parte de uma escola de auto-didatas muito rara o que é realçado na forte personalidade da sua escrita.
O autor tem, até agora, um livro publicado com o título: “A tristeza matou os peixes que nadavam nos teus olhos”. Esta obra aparece identificada e pode ser solicitada através do Luso-Poemas em:

http://www.luso-poemas.net/modules/news_04/article.php?storyid=29

De carácter rijo, com posições e opiniões marcadas, sabedor do que é estar em comunidade, é sem dúvida o destaque que se impunha no actual contexto do Luso-Poemas.
Nota, ainda, para o Luso Alemtagus, que foi convidado (na sequência do que aconteceu anteriormente com a Rosa Maria) para fazer parte da equipa de “conversadores” para esta entrevista.
Ficamos, então com uma pequena auto-biografia e com a conversa que tivemos com o José Torres:

AUTO-BIOGRAFIA


Nasci em Barcelinhos, em casa da minha avó “Quinhas”, no dia 10 de Agosto de 1967. Filho único até aos dezassete anos de idade, um dia disseram-me que ia ter um irmão…Fiquei radiante, mas não pensei: -fixe, vou ter alguém para brincar comigo. Pelo simples facto de que já fazia a barba e namorava…
Sou professor de Educação Física no ensino oficial há não muitos anos. Aliás, fiz uma grande ginástica até chegar á profissão: Estudei direito em Coimbra dois anos, aos quais juntei outros dois em Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tudo somado, quatro anos de intensa vida académica, e os meus pais a verem o sonho de um filho doutor por um canudo…
Após uma breve passagem frustrada pela indústria têxtil, florescente no concelho onde nasci, na tentativa de me redimir de um passado de repúblicas estudantis e boémia, dediquei-me durante vários anos ao Jornalismo. Trabalhei em rádio como pivot de informação, fiz reportagem na imprensa regional escrita, escrevi notícias a metro e lá me foram deixando ter opinião de vez em quando…
Sou casado com a Sandra, uma perfeccionista que me tem ajudado a ser mais organizado e metódico, mas antes de nos juntarmos, conheci e amei quase todas as letras do alfabeto feminino…
Tenho dois filhos fantásticos que amo.
A escrita nasceu comigo. Sonho um dia não fazer rigorosamente mais nada na vida senão escrever. No dia em que isso acontecer, outros escreverão por certo a minha biografia…
Até lá, aprendo a errar com os erros, mas cada vez menos.

ENTREVISTA


PauloAfonso (PA): Para começar a entrevista importa questionar: Quem é o José Torres do quotidiano?

Josetorres (JT): 40 anos, 25 de poemas, penso que é mais ou menos isso que se pode ler no meu perfil no Luso. Homem. Casado. Dois filhos que amo. Professor tardio. Filho de pais que o eram, e que nunca quis ser. Até ao dia...em que descobri que o era desde sempre.

Alemtagus (Al): No teu perfil do Luso diferencias idade biológica de idade cronológica, qual a tua idade cronológica?

JT: A minha idade é o tempo...
Eu, por vezes, tenho a sensação, e já escrevi isso, que escrevo fora do tempo. Se leram " O rapaz que escrevia poemas"

http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=23137,

descobrem-me. É marcadamente autobiográfico, esse conto. Aos dezassete, eu escrevia com a idade que tenho hoje. Serei velho já? Essa é uma questão que por vezes me coloco... Mas que estranha sina esta de escrever as coisas antes do tempo, fora do tempo…

Godi (Go): Na sua página de autor do luso-poemas possui uma pequena sinopse literária sobre seu percurso literário (25 anos de poesia). Então, expressa-nos como a prosa literária entrou neste contexto (se há algum tempo ou pertence a actualidade), além de uma pequena articulação desta com a poesia que já possuía em seu percurso de vida.

JJT: Comecei pelas “redacções”...lembram-se? Ensinaram-me a escrever e a ler, e esse foi o rastilho. Lembro-me de me elogiarem a fantasia nos textos, sempre coloridos por um desenho a lápis de cor.
Mais tarde pela adolescência, comecei a ler gente que ainda hoje leio, tive professores fantásticos e experimentei as primeiras emoções dos concursos literários.
Aos quinze escrevi AQUARIUS, um conto que perdi, e que tratava a questão do aborto...em 1982, portanto...ainda me lembro de algumas personagens, a saber: Vítima: Marmotinha de rabo na boca; Vilão: Tubarão; Médico clandestino: Peixe-espada... era uma espécie de fábula de que não preciso fazer a sinopse, e ganhou o primeiro prémio dum concurso local.
Depois, pelo secundário, no velho liceu de Barcelinhos, fiz parte da fundação da Revista Amanhecer, que ainda hoje se publica e está agora a recuperar alguns amigos desse tempo que, pela escola de escrita que constituiu se fizeram escritores.
Nessa altura já o poema me tinha encontrado... os primeiros bebiam no mesmo copo que o Mário de Sá Carneiro, o Pessoa, o Gedeão, o Al Berto e,pasmem, o Manuel Alegre.
Os neo-realistas, que depois conheci melhor quando fui para Coimbra estudar, encantavam-me. Não que a minha formação política fosse uma coisa marcada mas sentia a chama da revolta nas palavras porque as compreendia, porque trazia no peito uma ideia de liberdade, que não sei se hoje que já sou um homem experiente, sinto ainda.
O Manuel Alegre e a praça da canção, estiveram comigo um dia, numa semana cultural da escola, à frente de todos os colegas. Disse poemas dele e, no final do Sarau, o Manuel Freire (imaginem...o homem que cantava a Pedra Filosofal) deu-me uma palmada nas costas e disse-me qualquer coisa como: “A luta continua”, ou coisa do género... Penso que terminamos todos no velhinho Teatro Gil Vicente da minha cidade a cantar o “Grândola vila morena”.
Em Coimbra escrevia poemas. A prosa só veio bem mais tarde, no jornalismo.

Tália (Tl): Como é do conhecimento geral és um escritor de referência aqui no Luso. Escreves bem poesia, textos e contos. Sentes com isso alguma responsabilidade acrescida sempre que começas a escrever algo novo?

JT: Nem sequer penso nisso, Vanda. Na verdade escrevo porque isso faz, intimamente, parte de mim. Ao Luso devo tudo. Devo a minha quase descoberta da internet e o conhecimento de pessoas que, desde a primeira hora, me cercaram de carinho e amizade.
Foi através desta fantástica descoberta que, passados muitos anos, primeiro tentando recuperar textos e poemas antigos que perdi, depois, completamente envolvido, escrevendo de novo, estou até hoje. E já passou um ano.
Quanto a ser escritor de referência, isso é uma gentileza tua. Escrevo como muitos aqui. Sinto o Luso, verdadeiramente, como a minha casa da escrita... acreditem.

Valdevinoxis (Val): José, alguma vez a tristeza matou os peixes que nadam nos teus olhos quando olhas para o Luso?

JT: Já os deixou molhados de peixes.

Vera Silva (VS): Defines, no teu perfil, o Lusos como um clube de poetas vivos onde, de acordo ainda com as tuas palavras, iniciaste uma viagem dentro de ti. O que é que já descobriste de ti e dos outros?

JT: Este último ano vale por um século. Já te disse que escrevo fora do tempo?

VS: Eu sei... o tempo é apenas um mero pormenor que não te importa.

JT: Tenho a sensação, volvido este ano que tem tanto de eternidade como de presente, que nestes últimos tempos, funciono numa espécie de frenesim por tudo o que não disse antes.
Escrevo tão compulsivamente, como respiro.
Descobri, Vera, que a escrita faz parte de mim. Sem vaidades, perfeitamente consciente das minhas limitações, que não sou filólogo da língua, vivo nas palavras e por elas. Descobrindo-me verdadeiramente, descobri os outros.


Go: José, no luso-poemas, o que mais lhe agrada nas suas observações? Existe algo que o desagrada? Sobre os comentários, gosta de fazê-los? E de quem comenta (tanto de seus poemas quanto aos de outros autores), o que sente?

JT: Agrada-me a partilha. Agrada-me a amizade gerada. Agrada-me aquilo que me desagrada. Comento. Gosto de Comentar. Comento muito os comentários aos meus, comento os dos outros que me agradam, e ás vezes apetecia-me comentar mais os que me desagradam.
Sinto-me bem.

PA: Falar da escrita é ou pode ser o mesmo que falar de livros, feitos ou por fazer. Projectos?

JT: O primeiro livro é um livro imperfeito. Acreditas que cada vez gosto menos dele? Por várias razões de que não me apetece agora falar, mas a principal, é aquela que resulta da própria experiência de editar. Feito, ainda sem experiência, cheio de vontade, mas muito ligado a poemas passados, a histórias por desatar.
Depois deste primeiro, que fecha portas com o passado, abriram-se todas as janelas. Já escrevi vários contos que vão ser agora publicados pela Associação Às Artes, uma Associação fundada por gente da minha cidade natal, Barcelos, com o objectivo de divulgar a literatura e outras artes, fazendo a ponte entre os escritores e artistas locais e o mundo…
Aventurei-me num romance que estou a acabar. Pensar a escrita não tem, no entanto, que ser sinónimo de edição de livros. Escrever é um acto extremamente positivo. Quem escreve tem sempre a minha admiração, o que eu não gosto mesmo é de vaidosos, de gente que se promove de forma duvidosa pelos livros, meta isso subsídio camarário à mistura, ou qualquer outro tipo de mais valia para promover a mediocridade.

Al: Não sei se me é permitido, mas deixaria aqui três questões numa só:
Bem escrito, mal escrito. Quem achas que deve avaliar? Escrever bem, é escrever sem erros ou ter coragem para escrever? Que conta mais na escrita poética, quem escreve ou quem lê? Ao fim e ao cabo resumem-se as três à poesia.

JT: Reafirmo o que já disse atrás e em alguns textos editados no Luso:
Escrever, só por si, significa já um acto de reflexão sobre, um olhar sobranceiro a qualquer coisa. Escrever mal ou bem, não vem por aí mal ao mundo. Em primeiro lugar, deve ser quem escreve a ter a capacidade de se auto-avaliar, de reflectir se aquilo que escreve é suficientemente universal para poder ser exposto, depois saber ouvir os outros. Ter orelhas para a crítica que não sejam moucas.
Quanto aos erros, quem não erra? É erro dizer homem sem h? Não! É medida de grandeza saber-se homem e é quanto basta. Hoje cometo menos erros, a prática da escrita ajuda e o Val também… O que conta mais na escrita poética, na minha opinião, é o escritor saber retribuir a generosidade das palavras com humanismo, para que através delas possa ser melhor homem, venha a palavra vestida com h ou não.

Tl: Zé, em pouco tempo vimos alguns amigos e bons escritores abandonar o Luso. Queres comentar?

JT: Quero!
Há poucos dias jantei com o Silvério... o Celtibério, lembram-se? Rompemos a concha da virtualidade. E sabem o que ela escondia? O Homem tal como nos foi dado conhecer.
Refastelámo-nos em recordações, conversas com nós atados e desatados. Bebemos tinto, e comemos a alma em colheres de sobremesa. A dele, a minha, a de tantos amigos que se juntaram por amor à poesia. Falámos disto, desta coisa de se abandonar um lugar, mesmo que para trás tenham ficado tão boas memórias. Sabem a que conclusão chegamos? As memórias são o futuro de cada um. Sem elas perdemos identidade. Mas sem os nós...não nos desatamos.

Val: Não resisto a pedir-te para falar de dois Lusos que, de forma muito diversa, fazem parte de ti. Fala-nos da doce Beatriz Torres (a filha) e da polémica defunta Maria Cura (a personagem).

JT: Comecemos pela Beatriz. O que é que não sabem dela que já não vos tenha contado?

Val: É a tua pérola, José!

JT: A Beatriz é rapariga prendada. Uma curiosidade que assusta. Está constantemente a contribuir para que me repense, como homem e como pai. Um dilúvio. Uma descoberta pela forma como nos surpreende, pela argúcia e engenho.
A Maria Cura é outra história... Um romance. O primeiro. Representa um determinado tipo de mulher, liberta, sem tabús, que encara o sexo fora de qualquer estereótipo. Dada. É a minha melhor escrita, garanto-vos. Está viva em muitas páginas. Agarrei a história de unhas e dentes e já não a deixo fugir.
É também uma forma de agradecer ao Luso. A história vive ligada a este site. Não sabiam? Sabiam!...A ideia do diário digital tem ramificações. É no fundo uma marca do que escrevo: A virtualidade, as relações cibernéticas, os porquês e as respostas...Quando lerem, vão por certo compreender esta Maria.

VS: Zé, como professor e escritor, como encaras todas as mudanças que se avizinham com o novo acordo ortográfico?

JT: A língua é vida e, vive nela a identidade de um povo. Escrever mal ou bem não é relevante, se soubermos filtrar no coração o sangue que cada palavra transporta. Eu entendo a velhinha quando diz "auga"...ajudo-a a levar o cântaro à fonte, chame-se ela Leonor, seja formosa e não segura. Também sei compreender o meu aluno que utiliza Kapas nas frases. Sei entender a língua como património.
Eu tenho receio é de quem nos representa, a interposta pessoa. São os políticos que nos representam, mas porra (!), não acredito neles nem na sua bondade. Acordos ortográficos unificadores da chamada diáspora precisam , antes de mais, que saibamos merecer o que está para trás. Recuso terminantemente a visão economicista de uma sociedade, mais preocupada com os rótulos dos produtos. Eu entendo bem brasileiro. E África, entende-me?

Al: Poeta ou escritor de referência.

JT: Poema.

Tl: Como sabes finalmente vai haver o I Encontro do Luso. Penso que irás estar presente. O que esperas desse encontro?

JT: Vou estar certamente. Espero encontrar cada um de vós, como vos conheço. Poetas e amigos. Todos quantos tenho conhecido pessoalmente me fazem sentir que vale a pena a partilha desta amizade que o Luso, deveras, promove e se aconselha.

PA: Um desafio. Escolhe 6 palavras para dedicares a 6 pessoas. Pode ser?

JT: Primeira: Amizade - ao mundo
Segunda: Solidariedade- ao mesmo mundo
Terceira: Ajuda - ao terceiro mundo onde também estamos
Quarta: Amor - sempre em falta em cada um de nós
Quinta: Paz - para amar os meus filhos e aqueles de quem gosto
Sexta: Para vós que perdeis tempo a ler-me a alma, que não sei se mereço, a palavra é o somatório das outras todas: Gratidão.