Junho 2008 - António Paiva
Categoria : Luso do mês
Publicado por Luso-Poemas em 11-Jun-2008 23:30
Introdução

O António Paiva aparece, neste espaço, no início de Agosto de 2007 e, imediatamente, mercê da indiscutível força e beleza da sua escrita, tornou-se uma referência incontornável do Luso-Poemas. Goste-se ou não é um autor impossível de ignorar.

Quem o visita no site ou lê os seus livros e intervenções, vê uma pessoa que não se esconde e de posições marcadas, vê, no fundo, o mesmo individuo que se mostra ao vivo (como pudemos comprovar no I Encontro Luso).
“Interesses: ser útil”, é o que reza no seu perfil e, nós, os Luso-Poetas, os que o lêem e os miúdos das escolas em que já se mostrou, agradecemos e sublinhamos a sua forma única de estar na escrita e com a escrita... obrigado por seres útil António.

Uma referência ao Freudnãomorreu, uma vez que foi o entrevistador convidado e que, no seu estilo muito característico, temperou esta magnífica conversa.

Ficamos com uma pequena auto-biografia do António Paiva e com o trabalho que resultou da conversa:

Pequena auto-biografia

António Paiva, nasceu a 21 de Março, de 1959, em Santo André, Vila Nova de Poiares, uma vila situada entre a Serra da Lousã e o Rio Mondego. Cresceu na aldeia do Travasso, concelho de Penacova. Uma aldeia de isolada na época, a estrada que a servia terminava na própria aldeia, sem ligação à sede do concelho.

Estudou e pastoreou até à idade de 18 anos, a partir daí foi para a cidade de Coimbra, onde desenvolveu a sua vida académica e profissional. No ano de 2000 decidiu rumar à bela ilha da Madeira, onde reside actualmente.

Plantou muitas árvores, tem um pouco de todas elas dentro de si. Cumpriu o serviço militar. É pai de uma bonita jovem de quem muito se orgulha. Já publicou três livros de poesia: “juntando as letras”, "Janela do Pensamento” e “navegando nas palavras".

“Tenho as minhas hesitações, passo a vida pendurado no instinto, passo tempos infinitos ansioso e febril, outros completamente desligado, reconheço que sou portador de algum egoísmo, gosto de pentear luares e recordações.”

Entrevista

Valdevinoxis (Val): Temos para destaque do mês o António Paiva. Acredito ser consensual que é um dos mais aplaudidos de entre todos os que participam no Luso. Afinal quem é e como é que apareceu no site?

António Paiva (António): Bem, quanto aos mais aplaudidos fica ao critério de cada um. António Paiva, é um rapaz que adora escrever desde muito novo e que aparece no Luso por mero acaso, melhor dizendo: por uma busca casual na net sobre assuntos de poesia e escrita.

Paulo Afonso Ramos (Paulo): Neste tempo de Luso-poemas que balanço o escritor ou o homem, senão ambos, pode ser feito?

António: Vejamos, o tempo ainda é relativamente curto para balanços, ainda assim, se é que posso falar de mim como escritor, este período tem-me servido como mais um caminho, para tomar balanço e, talvez um dia chegue à meta; escritor. Quanto ao homem, tal como me conheço, sou um eterno aprendiz da vida e das palavras. É por aí que continuarei a rota, ainda que, deva confessar, o luso tem sido para mim um tubo de ensaio para tomar o pulso à escrita e às reacções diversas que a escrita provoca em cada um.


Freudnãomorreu (Freud): És tu! És muitos outros! O quanto te diluis na escrita?

António: Tal como escrevi num poema que já publiquei no Luso; sei lá quantos sou.
Eu tenho por hábito dizer; sou um plagiador de vidas alheias. Apodero-me delas, tomo-as como minhas, misturo-me e diluo-me nelas. Escrevo por mim e por elas, mesmo nas convulsões que isso provoca, acabamos por nos aceitar mutuamente.

Pedra Filosofal (Pedra): Aquando da tua “viagens com livros” disseste que pretendias “desmistificar a escrita e os escritores (...). Estimular e incentivar crianças e jovens a ler e a escrever (...)”. Achas que a escrita e os escritores não são apoiados, nem sequer divulgados nas camadas mais jovens? Um escritor ainda é visto como “um ser do além”? Escreve-se menos? Lê-se menos? Que aprendeste nas viagens e o que conseguiste ensinar?

António: Disse e confirmo em absoluto. Desmistificar a escrita, porque dela muitas vezes se faz um papão, uma coisa quase inacessível ao comum dos mortais quando, no meu entender, não o é de todo. Desmistificar os escritores, por que a imagem que muitos fazem passar, é de que são seres especiais, como se tivessem saído à nascença de uma linha de montagem específica para esse fim. Excepções feitas aos mesmo escritores, os mesmo a sério! Os vultos da literatura nacional e mundial. Estimular crianças e jovens a ler e a escrever, é obrigação de quem assume que escreve. Eles necessitam e merecem! A escrita e os escritores necessitam de muito apoio, mas quem escreve e edita também tem obrigação de fazer por isso.

Vera Silva (Vera): António, os teus três livros até ao momento têm todos um carácter bastante social, além de se notar muitas vezes na tua escrita. Gostávamos de saber o que te motiva para essas causas e o porquê dessa tua envolvência.

António: É fruto da minha infância e juventude, apesar de nunca ter passado fome nem privações de bens de primeira necessidade. Conheci, convivi e cresci a conhecer e a sentir a dureza da vida. Isso, marcou-me. Para além disso, essas carências são hoje ainda mais visíveis. Tudo evolui nesta sociedade em que vivemos, até a fome, a miséria e os maus-tratos, que são flagelos a crescer de forma assustadora.

Tália: Tive a oportunidade de te acompanhar a escolas e lares onde levaste a tua vivência como amante das letras para partilhar com os outros. Seria impossível ficares indiferente ao carinho que recebeste nesses sítios, até eu fiquei emocionada com alguns momentos que os jovens te proporcionaram. Desses momentos, o que trouxeste no coração?

António: Verdade, eu já afirmei por diversas vezes e não me canso de repetir, o que essas crianças e jovens me têm dado, é o maior prémio literário que em minha opinião eu posso receber! Eu emociono-me sempre nessas circunstâncias. Desses momentos trago sempre a alma e o coração a transbordar de carinho e partilha. Trago-os sempre a todos comigo.

Val: Como em todas as socializações, a convivência entre pessoas diferentes nem sempre é pacífica mas, é sempre proveitosa. Em que a medida transportas para a escrita (se é que o fazes) ou aprendes com essas situações? Mais concretamente, o Luso e o contacto com as crianças influenciam a tua forma de escrever?

António: Em minha opinião, toda a convivência se quer viva. Isso significa que nem sempre é pacífica e consensual. O pior que pode acontecer em qualquer grupo, associação e na sociedade, é a chamada paz podre. As divergências e diferenças de opinião são salutares e construtivas, desde que vividas com a inteligência necessária e discernimento quanto baste. Aprendo que, por mais válida que seja a minha opinião ela não é, por certo, a razão a tempo inteiro. Sou um homem de convicções, ainda assim atento a outras razões e motivações.
Quem me lê habitualmente, sabe que transporto todas as minhas vivências para a escrita, é notório em alguns textos que publico. As crianças, influenciam-me em tudo o que faço. Na escrita assim é, até porque foi o eu criança, que me levou a escrever desde muito novo.

Pedra: António, fruto dessa personalidade forte que tens e das tuas fortes convicções, tens sido um dos luso-poetas mais polémicos. Guerras abertas contra ti, criticas veladas. Queres comentar?

António: A minha personalidade é tão forte como muitas outras. Convicções cada um tem as suas, eu, naturalmente, tenho as minhas. Todo o ser humano que se preze, não passa por lado algum de forma anónima e escondida, cada um sabe a medida pela qual se quer dar a conhecer.
Polémico é um termo que pode ser "traduzido" para; alguém a quem as coisas que lhe importam, não o deixam indiferente, e opina. Não classifico as divergências como guerras, não é isso que me move na escrita, mas sim o amor a ela. Aceito de peito aberto as divergências e as criticas, marco as minhas posições e aprendo.

Paulo: Sei que o António Paiva é um assíduo leitor do Luso-poemas (muito mais do que interveniente activo no sentido de comentar e colocar textos), nessa condição como analisa os textos que são colocados e as incidências que acontecem, nomeadamente os plágios?

António: Muito assíduo mesmo. A minha análise centra-se nos estilos e nos conteúdos, nunca nas pessoas que escrevem. Quando estou com vontade de fazer, critico pela positiva quando acho que na minha opinião merecem, repito; na minha opinião, quando noto que o autor está sempre a "bater" no mesmo, critico e às vezes de forma severa. No entanto, cada vez me apetece menos. Sendo mais objectivo: de onde não há não se pode tirar.
Os plágios é algo pouco dignificante para quem os pratica. Mas digo, não querendo de forma alguma desculpabilizar quem os faz, que também acontecem por força das pessoas entrarem na engrenagem que os sites provocam. Ou seja, o querer publicar a todo o custo, a criatividade na escrita não abunda como a areia no deserto e, daí ao plágio é um passo curto para aqueles que não resistem à pressão e à tentação.
Convêm dar nota de que, muitas pessoas que publicam nos sites, para além da carência de publicar, têm outros tipos de carências e, para as suprir, necessitam de afectos, de se sentirem aceites como pessoas e como "escritores" daí que o resultado, a curto ou médio prazo, ou é o abandono em definitivo ou, lamentavelmente, o plágio. Sugeria uma séria e profunda reflexão sobre isto a todos os utilizadores do site.


Freud: Os medíocres, embrulhados em papel celofane, espicaçam a tua latente ironia ou esta é simplesmente endógena?

António: Ora aqui está um exemplo onde eu sou duro, correndo até o risco de às vezes o ser em demasia. A verdade é que eu como todos os comuns mortais, tenho dentro de mim, coisas boas e coisas menos boas. Por isso, muitas vezes o que me sugerem, é o que eu lhes sirvo. Mas não sou um poço de veneno latente. Como já disse, a escrita é a minha segunda pele e não gosto de a ver maltratada.

Vera: Quem é o António Paiva homem, a pessoa por trás do site e da escrita?

António: Uma pessoa normalíssima, que solta a lágrima com uma facilidade irritante, quase sempre nos lugares menos convenientes para que isso aconteça. Uma timidez disfarçada na escrita e pela escrita, bem como pela defesa das suas convicções. Quando escrevo, ou falo da escrita transformo-me. Sou um apaixonado pela vida, pelas pessoas, pela natureza e pela escrita.

Tália: Um dia um jovem, no final de um encontro contigo, levantou-se e disse, para uma sala cheia de jovens, que a maior alegria dele era um dia poder dizer aos filhos que esteve uma tarde à conversa com um poeta. O que sentiste?

António: Emocionei-me, como não podia deixar de o fazer. Tinha na minha frente, um jovem, que me fez lembrar-me quando tinha a idade dele. Eu também sempre dei muito valor e apreço a quem partilhasse conhecimento comigo e me fizesse sentir um igual. No fundo recebi mais um grande prémio literário.

Freud: Recentemente, os luso-poetas ficaram a saber que tens uma doce solução (degustação de chocolate) para a azia...e para o site há alguma receita que queiras partilhar?

António: Em relação a isso, quero dizer que depois de deixar essa "ervilha" no site. Fui agradavelmente surpreendido por mais uma série de receitas. Daí que ainda posso ser acusado de plágio se voltar ao tema. (gargalhada)

Pedra: António, Que pergunta faltou nesta entrevista? Qual seria a resposta que davas?

António: Gostei dessa. Gostei tanto dela, que por gostar de ti, como gosto, ta devolvo intacta e enfeitada com um beijo. (risos)

Tália: Embora estejas longe, tens sido uma pessoa assídua nos encontros feitos entre Luso-Poetas, inclusivé, estiveste presente no I Encontro do Luso-Poemas. Achas importante o encontro humano, para além do ecrã?

António: O ser humano é um "bicho" social, é aí que as coisas verdadeiramente acontecem, cada um dá o melhor de si e a mistura é fenomenal. O importante é que seja sempre de igual modo, em qualquer das circunstâncias.

Paulo: António Paiva, para terminarmos, quando será o próximo livro e uma mensagem para quem leu esta entrevista, pode ser?

António: Honestamente, há mais que um livro compilado mas ainda não posso revelar nada de concreto, pela simples razão de não haver ainda nada definido.
A mensagem que quero deixar, é mais um convite. Quem me quiser acompanhar é bem-vindo: "Apetece-me ir até à ponta do infinito, é muito para lá de onde estou, por lá o tempo corre devagar e a vida diz-se poema."
Um grande abraço de amizade a todos!