Julho 2008 - Henrique Pedro
Categoria : Luso do mês
Publicado por Luso-Poemas em 12-Jul-2008 10:20
Introdução


Neste mês de Julho, foi eleito o Henrique Pedro como o destaque do nosso Luso-Poemas. A escolha não é desprovida de fundamento, foi consensual e não é mais do que uma justa homenagem a um autor que nos tem dado muito de si.
O Henrique, desde o início, sempre foi algo envolto numa aura de mistério embora, ao mesmo tempo, se mostrasse interventivo e opinador nas mais variadas discussões ou temáticas.
Nesta conversa, que nos tomou algumas horas de amena, cordial e saudável convivência, descobrimos um escritor que também é um homem de família e de sólidos princípios. Não foi uma surpresa, foi a confirmação do que todos sentíamos com grande certeza.
Uma entrevista a ler que é introduzida por uma farta e elucidativa nota biográfica. Deixamos, então, a todos, um Henrique que se vos oferece tal como ele é.

Nota biográfica


Henrique (António) Pedro nasceu a 8 de Dezembro de 1947, em Vale de Salgueiro, freguesia do concelho de Mirandela, bem no coração da Terra Quente Transmontana, bacia telúrica dos rios Tua, Tuela e Rabaçal. A Terra Quente Transmontana, berço da mítica Pátria Luanca, é terra marcada por olivais, vinhedos, roseiras e muros de pedra de xisto. Henrique Pedro fez a Instrução Primária na aldeia natal e o Curso Geral dos Liceus no Liceu Nacional de Chaves, de onde saiu em 1966, para cursar a Academia Militar de Lisboa. É bacharel em Matemáticas e licenciado em Engenharia Geográfica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros. Leccionou na Academia Militar e prestou serviço no actual Instituto Geográfico do Exército, em Lisboa, durante vários anos.
Cumpriu comissão militar no Norte de Moçambique de que resultou o seu primeiro livro de poesia (Poemas da Guerra, de Mim e de Outrem), publicado em 2001, pela Editora Piaget. Foi um dos operacionais do 25 de Abril de 1974. Deixou o Exército em 1989 para exercer a profissão de engenheiro, e foi gestor, professor do ensino superior e vereador. Publicou ainda os livros de poesia Do Povo que Sou (Editora Ver o Verso-2004), Minha Mátria Terra Quente (Editora Ver o Verso-2004), Minha Pátria Montanha (Editora Ver o Verso-2005) e o romance histórico Códice da Pátria Luanca (Editora Ver o Verso-2006). É casado com Maria de Lourdes e pai de Ana Lourdes e de João Henrique. Reside, desde 1997, na sua aldeia natal, ocupando o tempo, prioritariamente, a tratar dos seus bens mais queridos: oliveiras, roseiras, pinheiros e pastores belgas.


Entrevista


Pedra Filosofal (Pedra) - Henrique Pedro... poeta, agricultor. Quem é este luso-poeta?

Henrique Pedro (h@p) - Apenas um cidadão que encontra na poesia uma forma de se dar e partilhar o que tem de melhor.

Vera Silva (Vera) - Henrique, conte-nos como começou o seu percurso na vida poética. Ainda se lembra do 1º poema?

h@p - Possuo uma memória privilegiada. Tanto, que me recordo muito bem do primeiro "poema" que escrevi, mal aprendi a ler. Estava então na 4.ª classe e rezava assim: "Luís de Camões poeta e soldado/ Com todo o fulgor/ Tu és amado" .

Valdevinoxis (Val) - A imagem que temos do Henrique, é a de uma pessoa de e com conhecimento. É pai, marido, homem de vida farta, tendo participado de momentos históricos. A sua escrita reflecte isto de uma forma clara e transversal. Até que ponto se confundem homem e poeta/escritor e a partir de onde divergem?

h@p - Respondendo de forma muito sucinta, direi que cada um de nós é um todo indissociável. E assim sendo, também eu sempre me identifiquei com a minha terra, com a minha gente e com os fenómenos sociais que estão ao meu alcance. Claro que a família é central na minha natureza e formação mas, o poeta é um ente peculiar (como é sabido). Aí não sou igual a ninguém e sou inteiramente livre, autónomo e divirjo para planos impensáveis, sem deixar de escrever muitos poemas terra a terra.

Godi - Os poemas, Henrique Pedro (faço uma observação de tua obra), estão vinculados a temas sempre em aberto, talvez à vivência de um homem integrada com a sua história e aquilo que o cerca. Diferenciando-se de outros autores do luso na maneira de compor os poemas, o Henrique se diferencia também pela concepção que tem sobre literatura.
Para ele, ser poeta não era debruçar-se sobre si mesmo, num irremediável narcisismo mas, voltar-se para o mundo, medi-lo com olhos críticos e em palavras fortes. Como defines tua obra, meu caro Henrique?

h@p - Humildemente não considero que tenha uma obra e muito menos me considero um literato. Vou desabafando, dando liberdade a uma vocação que não enjeito e tentando intervir dessa forma, sem ter que gritar demasiado.

Pedra - A maioria dos textos que tens publicados são poemas. Mas também tens alguns contos e crónicas. Tens até um romance editado. Preferes a poesia à prosa? Em qual te sentes mais à vontade?

h@p - Tenho publicado um romance histórico intitulado "Códice da Pátria Luanca" e, pronto para publicar, um outro romance especulativo chamado " 2024 Ignescência". A prosa não tem, em mim, um sentido estritamente literário mas sim, o seu papel fundamental será lúdico e prospectivo. A poesia, que prefiro, é de consumo quotidiano e mais abrangente.

Vera - Henrique, o que o inspira para a escrita? Tem rituais próprios?

h@p - Não tenho aquilo que se poderá chamar de ritual mas tenho métodos como ter sempre um papel e lápis perto de mim, quando não o computador e, respirar fundo quando abro a janela ou um raio cósmico me dardeja a moleirinha.

Tália - o HP tem alguns livros editados, quer nos falar um pouco sobre eles?

h@p - Muito resumidamente, são obras despretensiosas que resultaram de uma vocação que não recuso e que muito me satisfaz. Porque são um instrumento privilegiado para falarmos de nós e das pessoas de que mais gostamos, bem como das ideias que defendemos. Cada um deles possui uma temática e uma oportunidade muito especial. Representam momentos de grande felicidade porque fui capaz de me exceder e os pôr a público.


Pedra - Muitos dos poemas que publicas fazem referência às “Mulheres de amor inventadas”. Quem são essas mulheres?

h@p - Boa pergunta! "Mulheres de Amor Inventadas" é apenas o título de um livro que gostaria de publicar em breve, até porque me parece ter sentido comercial, que bem precisamos para fazer valer a poesia no mercado. O sentido do título é ambivalente como se vê: mas as mulheres estão lá porque foram inventadas por amor.

Tália - Henrique, depois de ter passado algum tempo sobre uma discussão saudável acerca da maneira de expormos o amor, tenho acompanhado a sua escrita e tenho visto, com satisfação, que colocou o “pudor” de lado. Já fala e cria imagens e cenas de puro sexo. Foi uma libertação difícil?

h@p - Não, que ideia! O LusoPoemas e vocês da Adm têm um mérito imenso nisso é, para mim e acima de tudo, um espaço privilegiado de aprendizagem e de ensaio, sem tirar valor à amizade desinteressada que vamos promovendo. Tudo teve o seu tempo. Tenho aprendido muito, tirado ilações e recolhido material que dava para milhares de doutoramentos em todas as áreas.
Continuo a publicar poemas sobre o Mistério da Santíssima Trindade que também são lidos.... a WEB é fabulosa nesta matéria! O importante é que se alcançou um bom equilíbrio de mentalidades, matérias e talentos, com muito espaço e respeito por todos.


Godi - O termo literatura tem, pois uma extensão mais ou menos vasta consoante os autores, que vão dos clássicos escolares as histórias em quadrinhos. O critério de valor que inclui a um texto não é em si mesmo literário, nem teórico, mas ético, social e ideológico, ou seja, é de forma sempre extra literária.
Pode–se entretanto, definir valor literário a literatura?

h@p - A definição de literatura é académica, de compêndio, mas para mim, qualquer coisa escrita é literatura, porque uma simples carta de amor ditada por uma pessoa iletrada poderá ter valor literário inestimável. O valor em literatura ou a qualidade, como se queira, tem a ver com um sistema complexo de padrões culturais, sociais, políticos...e académicos, que nos levam a preferir textos em detrimento de outros. Tanto assim é que o valor comercial não acompanha esta lógica valorativa e vende o que é comprado, não o que tem valor.

Godi - Se dermos valor literário a todo e qualquer texto, será que ela perde sua especificidade? Será que a qualidade, propriamente literária, lhe é negada? Qual sua opinião?

h@p - Penso que um dos parâmetros qualitativos, ou valorativos, será sempre a especificidade, a genuinidade. Depois teremos sempre que valorar por classes, por matérias e também pelos impactos sociais que um texto provoca. O valor absoluto só existe na matemática. Quem é o melhor do mundo? Ninguém!


Godi – Evidentemente, identificar a literatura com o valor literário não é ao mesmo tempo negar de fato e de direito o restante dos textos literários? Será que, por exemplo, ao dizer que um texto é literário subtende-se sempre que um outro texto não o seja? Concorda comigo que a literatura é difícil de se definir?

h@p - Claro que nesta matéria não há o politicamente correcto, o modismo, o interesse de circunstância. Há critérios estéticos, harmonias, ideias, impactos que perduram no tempo e pelas culturas fora...

Val - Tem autores de referência? Peço-lhe uma análise sincera, sobre o que e como se escreve no Luso.

h@p - Penso que há muita gente a escrever poesia de muito valor no Luso. Para não magoar ninguém nesta oportunidade, limitar-me-ei a citar um poeta, por uma gritante questão de justiça, que me parece ter muito mérito mas que não dá nas vistas e com quem nunca entrei em contacto, contrariamente a tantos por quem tenho muito apreço. Refiro-me a Jairo Bezerra.

Tália - Como membro da administração gostaria de saber o que gostarias de ver alterado no Luso-poemas.

h@p - Penso que o Luso-Poemas alcançou um equilíbrio interessante. As recentes alterações foram muito positivas e as discussões que anteriormente se estabeleceram deram os seus frutos. Há algumas arestas a limar mas gostaria que tudo continuasse nesta abertura e familiaridade. Fundamental será que todos sejamos mais honestos nos comentários e seria útil, quanto a mim. que cada poeta não postasse mais que um poema por dia, para termos mais tempo para ler e conversar.

Val - O Henrique é uma pessoa política?...

h@p - Como qualquer cidadão que se preze, não me revejo na actual situação, que esconjuro! Considero-me um democrata do futuro. Mas isto levar-nos-ia muito longe!

Val - ... e religiosa?

h@p - Sou profundamente religioso, crente devoto de Jesus Cristo e de Fátima, não citando outros santos pessoais, embora seja muito crítico e um tanto desalinhado das igrejas.

Pedra - Se pudesses, que mudarias no ensino do português nas escolas? Sabendo que se lê tão pouco, o que farias para mudar este panorama?

h@p - Humildemente não sei o que mudaria. Talvez o Ensino de alto a baixo...talvez pusesse os miúdos a declamar os melhores poetas logo que aprendessem a ler...

Val - Não estará porventura a internet a destruir os livros, a exemplo do que já aconteceu por acção da televisão. Por outras palavras não se estará a promover o facilitismo e a retirar alguma mística à instituição “livro” com sites como o Luso? Não poderão (estes sites) ter uma acção contraproducente na escrita?

h@p - Não me parece. O sistema se auto restabelece. A qualidade, do maior teor, virá sempre ao de cima, com a vantagem de que é dada oportunidade a milhões. Os livros impressos terão que ser capazes de se reformular e acompanhar o ritmo. Porque não vender livros de poemas como se vende música?

Tália - Henrique, gostava que deixasse uma frase, só uma para as mulheres do luso-poemas.

h@p - Não é fácil! São tantas, tão lindas e talentosas que vou ter que escrever uma frase para cada uma. Dedico-lhes o meu livro " Mulheres de Amor Inventadas", aonde poderão encontrar um espelho que não as desfavorecerá muito, por certo. Um beijo e uma rosa do meu jardim para cada uma.