Fevereiro 2008 - Isabor Navarro
Categoria : Luso do mês
Publicado por Luso-Poemas em 12-Feb-2008 00:30
A Isabor Navarro que é também Sandra, caiu no Luso-Poemas por acaso (ela confessa-o mais à frente). Se analisarmos a sua escrita e se olharmos para sua forma de estar, sem muita dificuldade nos apercebemos da elegância da personagem e da força da pessoa que está por trás.
Sem dúvida, que ao convidá-la para ser o destaque do mês, o fizemos conscientes de que estávamos a fazer política, boa política, pois em boa verdade, não há muitos Lusos que tenham uma projecção tão elevada, que reúnam uma consensualidade e carisma tão marcado.
É difícil ser-se mais alto do que as polémicas ou que as querelas e, a Isabor/Sandra é-o. Ficamos, então, com uma pequena auto-biografia e a sua entrevista para este espaço:



Auto-biografia

Nascí em 13 de Julho de 1961. Canceriana, cujo elemento correponde mesmo a idéia de que sou feita de água. Mulher lunar que sou, de papel e luz da lua...
Psicóloga por convicção plena no ser humano. Amo o meu trabalho e faço-o enquanto me comover com a beleza do outro, e a sua dor. E cada vez mais me comovo.
Mulher, filha, irmã, mãe numa família querida e rica em valores. Meu filhos, um casal, são meus melhores poemas, meus e do pai deles. Lembro-me que, enquanto grávida, entre um medo e outro, pensava ser a dona da vida.
Encaro o ato de escrever, extremamente solitário, como uma via de escape e ao mesmo tempo de acesso às minhas inquietações. Contradições...

Se escrevo,
Suporto o mundo inteiro,
Dentro de mim,
E de devorar os sonhos,
Adoço a boca dos medos,
Até que acabe
A tinta da caneta.


Entrevista

Paulo Afonso - Isabor, como aparece o Luso-poemas na sua vida e que impacto teve?
Sandra - O encontro com o site foi puro acaso, pesquisando poemas na internet. Vejam que interessante, minha assinatura foi em 15/08/2006 e fui postar um primeiro poema em 27/05/07, isso me faz acreditar que os encontros se concretizam apenas no momento certo.
Me perdi do site e novamente o reencontrei. Senti o desejo de enviar algo meu e foi a partir daí uma história muito bacana.
Foi uma espécie de renascimento da minha escrita. Um fenômeno que já ouvi de outros luso-poetas.
Digo que o luso-poemas me deu "régua e compasso". Os poemas saltavam das gavetas, enchiam minhas agendas de trabalho, se materializavam em qualquer pequeno pedaço de papel que, logo eram digitados e entregues nesse espaço que se tornou quase como um altar de minhas oferendas poéticas.
Acho que esse é o meu momento, oportuno, de dizer que há uma responsabilidade quando nos apoderamos de um espaço de comunicação, a linguagem é sempre um instrumento, como uma faca de dois gumes.

Vanda - Lembras-te de quando escreveste pela primeira vez?
Sandra - Muito cedo, ainda na escola primária, arriscava uns versinhos, decorava poeminhas e não perdia uma apresentação nos dias comemorativos.
Tive o privilégio de me educar e crescer num bom colégio, mas em especial, a minha mãe, se preocupava em nos oferecer acesso livre à cultura, aos livros.
Mergulhei, por anos da minha infância, numa coleção chamada "O mundo da criança". Contos de Andersen, poemas, cantigas, mitologia, os personagens do folclore brasileiro se constituíram num verdadeiro paraíso para mim.

Valdevinoxis - Mas, no meio disto tudo, onde acaba a Sandra e começa a Isabor ou, por outras palavras, se a Sandra é diferente da Isabor?
Sandra - Não sei dizer onde começa uma e acaba a outra. Mas, a Isabor é meu "alter-ego". Minha licença poética. É de fato uma personagem. Trata-se daquela personagem do filme "O feitiço de Áquila", pseudônimo que costumava utilizar em concursos de literatura que participei.
O caminho por onde enveredou minha escrita, extremamente surrealista pedia um personagem e assim surgiu essa figura, que de certa forma é minha própria imagem, já que estamos lá atrás das letras.

Vera Silva - Sandrinha, como ficas dentro da personagem da escrita e que sentimentos te invadem?
Sandra - É de fato uma experiência interessante. Penso que a maturidade me deu essa liberdade de escolher ser, por momentos, essa representação simbólica de uma mulher diferenciada, no sentido de expressão livre. É como prolongar a alma, se é que me dou a entender. A sensação é de plenitude. É ainda uma espécie de metamorfose (palavra que amo), mas sem nenhum prejuízo para a Sandra e sua realidade.
Escrever já é por si só, o estabelecimento de uma nova angústia. E vocês que escrevem sabem do que estou falando. Ainda que falasse muito, jamais vou saber descrever os sentimentos que me invadem quando escrevo. É que "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" (isso é de um compositor brasileiro chamado Luis Melodia).

Paulo - Como se sente na cultura brasileira em relação a literatura?
Sandra - Sinto-me totalmente inserida na minha época, nesse contexto de cultura brasileira. É um caldeirão de diversidades fantástico! Uma riqueza que a todo momento surge na minha própria escrita. Prá ser mais clara, os mitos do folclore brasileiro, a cultura indígena, os regionalismos ( o Brasil é um universo cultural abrangente) e só não bebe dessa fonte quem não quer ou não valoriza.
É claro que a literatura não está ao alcance de todos, lamentavelmente. Mas, incrivelmente sobrevive em qualquer mínimo espaço que se permite. E nisso, sobrevive a poesia...

Vanda - Li há pouco um poema teu dedicado às poetisas do Luso-Poemas, queres-nos falar de como as vês e as sentes?
Sandra - Logo que entrei para o site me sentí rodeada por essas "meninas poderosas", cujo afeto ultrapassa mesmo a convivência do espaço do Luso. Vejo-as e sinto-as como seres de luz especial, de cargas emocionais impressionantes, e sem distinguir entre as Portuguesas e brasileiras, tenho um orgulho imenso de ser luso-poeta.

Val - Se lhe dissesse que me parece que, por vezes existe um distanciamento e até alguma competição entre Portugal e Brasil, no que diz respeito à cultura e à língua o que me diria? Não lhe parece que existe um orgulho exacerbado desnessário das duas partes?
Sandra - Bem, vejo às vezes sim, essa estranha rixa. Um conflito que do nada se estabelece e nada acrescenta como discussão produtiva. Mas, percebo que sempre se trata de confronto de egos, uma espécie de disputa que beira o nonsense. Não se sustentam pois ficam numa troca de opiniões totalmente centradas em seus pequenos universos.
Penso que como nação, já nada devemos uns aos outros. Devíamos tratar de fomentar a partilha, a união e um olhar em sintonia prá esse planeta que está a se deteriorar em nossas mãos...

Vanda - Sandra, as mulheres foram por aqui um pouco mal entendidas devido à sua veia sensual um pouco mais aguçada. Como vês a escrita erótica neste site?
Sandra - Eu procuro perceber e o que me interessa é a qualidade da escrita, seja de cunho sensual, social, ou outro qualquer. Acho que a sensualidade é uma prerrogativa do universo feminino, portanto, legítimo de ser manifestado em poemas, contos, todas as vias da linguagem.
No site, especificamente, muitas mulheres têm essa competência de dizer do erótico de um modo bacana, sem ferir a estética da palavra, mas colaborando para que mais escritoras venham a abordar sem receio esse tema...

Vera - Sandrinha, a tua escrita terá certamente influências... o quê ou quem te influencia mais, desde autores de renome aos desconhecidos...
Sandra - Sou sem dúvida nenhuma influenciada por um grande número de escritores. Alguns que elegi por afinidade com a beleza de seus escritos e outros porque não há saída, pois tudo nos envolve e transforma. É muita pretensão achar que somos genuinamente criativos e nos bastamos.
Sou atravessada (é a palavra certa) pela paixão de Florbela Espanca, Pelo universo marinho de Sofia de Melo Bryner, pela erótica de Hilda Hilst, o modernismo de Carlos Drummond de Andrade, por um Vinicius de Moraes, Eugénio de Andrade, Adélia Prado. E eu ficaria aqui a citá-los e, ao fazê-lo ir me emocionando como se soubessem que os amo. E sem dúvida que bebo na fonte da poesia de desconhecidos poetas, imensos em sua escrita. Estou falando dos Luso-poetas que tantas vezes me inspiraram a compor na sequência de seus textos, num exercício de intertexualidade que é esse diálogo das poesias.

Vera - O que pensas do novo acordo ortográfico?
Sandra - Com relação ao Brasil, não vejo grandes acréscimos se o objetivo foi facilitar a escrita da língua portuguesa. Simplesmente porque o ensino no Brasil é uma lástima e causa vergonha a redação de um número assustador de universitários. Acho que é uma obrigação falar e escrever corretamente na língua pátria.
Os motivos não estão afinados com as necessidades dos países de língua portuguesa. E entendo perfeitamente que, em se tratando de Portugal, mexe à fundo com a tradição e com a cultura já sedimentada. Se já a comunicação é uma Babel, pode ser que venha por aí uma sinfonia de problemas, acentuados, de chapéuzinho, sem chapéuzinho... Deve haver outras maneiras de aproximar as culturas, que não passe pela unificação da língua.

Vanda - Sandra com certeza que vais concorrer ao concurso que está a decorrer no luso-poemas. Como vez este tipo de iniciativas?
Sandra - Acho maravilhoso. É um modo super saudável de entrelaçar as escritas e, certamente que o resultado é sempre positivo. Até deveriam acontecer com mais frequência.
Os duetos, as cirandas. É um jeito lúdico de interagir e enriquecer o grupo.

Val - Antes da mensagem final, temos que lhe pôr a sacramental: o que é mudava no Luso-Poemas? O que é que lhe parece que está mal?
Sandra - Com relação à dinâmica do site, acho que é perfeito, num trabalho constante da administração em busca das melhores ferramentas que facilitem a vida do usuário. Trabalho genial.
O que de fato deveria ser uma constante era a revisão da postura de cada um diante desse espaço.
O site tem uma missão clara: divulgar os diversos "fazeres poéticos" e promover a interação entre as pessoas. Ponto. Tudo o que extrapola essa "missão", deveria ser revisto. A internet abriga o mundo e certamente cada qual saberá onde melhor vai se sentir.

Paulo - Isabor gostava de pedir-lhe uma mensagem especial ao seu critério, sinta-se livre e avance...
Sandra - Estou completamente agradecida e encantada pelo convite de vocês.
Reconheço o privilégio e a responsabilidade que isso significa, que é manter o nível da última entrevistada, a da maravilhosa Rosa Maria Anselmo.
Dizer ainda que tenho um profundo respeito e afeto por cada pessoa aqui, por trás ou não de um nick, de uma imagem. Sei que alí está uma pessoa com seu cabedal de dores, amores, angústias. Que no fundo, tudo o que queremos é estar no mundo, sermos respeitados, perdoados até por sermos tão precários e tão humanos.