procissão

Data 08/10/2009 23:11:54 | Tópico: Textos -> Outros

assisto-me desfilando naquela outra procissão que passa.o que me enleva são os tambores.ao ritmo cardíaco que me invade,fotografo mentalmente beatas,bombeiros,membros de familia,organizadores atarefados,nervosos,um pedófilo que espreita. pelas pedras gastas do caminho sábio e silencioso,anjinhos treinados cumprem com competência sentindo o peso da responsabilidade que lhes incutem (algo fingidamente )e que eles, genuínamente, tentam honrar.há instrumentos de sopro accionados por bocas de idades várias e algumas horas de treino ,que brilham ,que gritam por entre o fascínio maior do seu tom dourado, reluzente.gentes curiosas,devotos ritualistas e sérios reprodutores da tradição mesclam-se, sem se denunciarem pelos ditos e comentários.também há gente impaciente apenas,incomodada por mais um distúrbio de uma rotina pouco habitual.passa um viciado em substâncias outras, na direcção oposta, e vai apressado,como que se auto-marginalizando deste burburinho de vida.de caminho repara numa idosa segurando uma vela,talvez sua tia,até.e então o andor,carregado a ombros,por não sei bem que espécie de homens.talvez os mais fortes,emboram não o pareçam,os mais adequados a este papel ;talvez pela experiência,talvez pela mera ocasião. Escolheu-os uns o padre,outros o presidente da junta talvez;um outro ainda que se voluntariou. há flores,muitas pétalas,cheiro de incenso misturado com o cheiro das gentes várias desta terra que é minha.cânticos entoam louvando os céus,lavando vidas mil,aflições,desejos e promessas.quase só as idosas cantam,o que confere um timbre sábio e ancestral à quebrada melodia.os sinos assistem,do alto da torre tão bela.
e eu ,por coincidência ou não, sentada nesta cadeira fria que já não sinto,da esplanada recentemente colocada no coração da história, me desfilo interiormente numa presença total,em passos e em tudo, ao ritmo cardíaco dos tambores que me inunda todo o ser e em fascínio me vou.fitas-me da tua cadeira e como que me acordando:não bebeste o café.ficou frio.vamos?...e o meu corpo segue-te,num automatismo dormente,perguntando-me porque não foste comigo pelas ruelas,a acompanhar a procissão.



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