O MONGE

Data 15/10/2009 08:43:42 | Tópico: Poemas

vai em passos lentos o velho monge
a caminhar pelo jardim do claustro
seus olhos estão cansados
as lentes dos óculos gastas
de percorrer os mesmos caminhos feitos de silêncio
as páginas do breviário não suportam mais
as mesmas orações o mesmo latim

vai em passos lentos o velho monge
não se recorda mais como foi a primeira vez em que
penetrou nos mistérios da clausura
não se recorda mais o dia da profissão dos seus votos perpétuos - castidade obediência e pobreza
não se recorda mais quando recebeu do abade o livro com as regras
escritas por são bento - o pai fundador:
"Escute, meu filho, os preceitos do mestre
e incline o ouvido do seu coração."
o velho monge não se recorda mais também do nome secular
o nome que lhe fora dado pela família quando ainda estava no mundo
não se recorda mais... faz tanto tempo - melhor não recordar mesmo

vai em passos lentos o velho monge
tantas vezes foi preciso lutar contra os desejos da carne
tantas vezes castigou o corpo na solidão da cela
tantas vezes abafou o sorriso dos lábios
porque do sorriso deus não se agrada
tantas vezes durante os pesados jejuns da quaresma
despejou cinzas no prato para tornar intragável
o sabor do parco alimento servido

vai em passos lentos o velho monge
entra no cemitério do mosteiro
olha as sepulturas todas iguais - apenas uma cruz um nome
martinho beda basílio plácido
todos nomes de santos da sua ordem
todos repousam ali onde ele também repousará um dia
quantas sandálias são necessárias para chegar ao reino dos céus?
que julgamento deus fará dele se não foram raras
as vezes em que seu pensamento se desviou
para as coisas do mundo
quando devia estar voltado para o Livro de Horas?
quantas vezes profanou durante o Canto Gregoriano?

vai em passos lentos o velho monge
algo estranho lhe invade a cabeça
sente nojo de deus sente ódio de deus
se pudesse assassinaria deus agora mesmo
agora mesmo
agora mesmo
foda-se o reino dos céus
foda-se deus
se pudesse...
mas como não pode culpa-se mais uma vez
retorna ao jardim do claustro
e resignado prossegue a leitura do seu breviário

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júlio

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