BALADA DE NEVE BALADA DE SAUDADE Batem leve, levemente, Bate mansa, triste e leve, como quem chama por mim. como quem chora por mim. Será chuva? Será gente? Será chuva? Será neve? Gente não é, certamente Neve não!, não é tão breve, e a chuva não bate assim. e a chuva não dói assim.
É talvez a ventania: Será só melancolia, mas há pouco, há poucochinho, que com o frio e jeitinho nem uma agulha bulia se chega, muda e fria, na quieta melancolia trazida pla ventania, dos pinheiros do caminho… ao calor do meu cantinho...
Quem bate, assim, levemente, Quem bate assim, docemente, com tão estranha leveza, com a íntima certeza que mal se ouve, mal se sente? de quem conhece a gente? Não é chuva, nem é gente, Não é dor o que se sente, nem é vento com certeza. e há nela certa beleza...
Fui ver. A neve caía Ah!... A saudade sorria do azul cinzento do céu, velada por fino véu, branca e leve, branca e fria… branda e leve, branda e esguia, Há quanto tempo a não via! há quanto tempo eu sabia E que saudades, Deus meu! o seu toque de Morfeu!
Olho-a através da vidraça. Traz na mão argêntea taça. Pôs tudo da cor do linho. Of'rece um gole de vinho, Passa gente e, quando passa, e enquanto minh'alma abraça, os passos imprime e traça bebe a lágrima que embaça na brancura do caminho… os meus olhos, de mansinho... Fico olhando esses sinais Fico dormente, sem ais, da pobre gente que avança, entrego-me, em esperança, e noto, por entre os mais, e os meus alentos vitais, os traços miniaturais por muitos instantes mais, duns pezitos de criança… são réus da sua cobrança...
E descalcinhos, doridos… E de lábios inda feridos a neve deixa inda vê-los, pelo bordo de flagelos, primeiro, bem definidos, do cálice dos meus sentidos, depois, em sulcos compridos,
sinto o abraço comovido porque não podia erguê-los!… da saudade, em desvelos... Que quem já é pecador
Mansa saudade, que é dor sofra tormentos, enfim! sem me doer tanto assim! Mas as crianças, Senhor, Pois não me traz o calor porque lhes dais tanta dor?!… dos teus beijos, meu amor, Porque padecem assim?!…
mesmo só dentro de mim?!...
E uma infinita tristeza, E me entrego, dócil presa, uma funda turbação À saudade, em oração. entra em mim, fica em mim presa. No rosário da tristeza Cai neve na Natureza vou desfiando a certeza: e cai no meu coração. Estás no meu coração!...
(..sempre...)
(Augusto Gil) (Teresa Teixeira)
(Em tributo ao meu anjo, uma homenagem a Augusto Gil [1873-1929], autor da belíssima "Balada de Neve", que sempre embalou o meu mais precoce amor pela poesia... uma réplica humilde, só autorizada pela inspiração que tão sublimes versos me iluminaram...)
*reeditado
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