morrer a dois. dueto com margarete.

Data 20/12/2009 23:30:58 | Tópico: Textos


será sempre assim, enquanto o passado se mantiver igual a este momento. chegamos aos sítios, abrimos os olhos e aprendemos qualquer coisa antes de irmos para outro sítio. a morte é só o ir para outro sítio. quando penso em todos os sítios que já percorri relembro como lhes vi morrer dentro um pouco de mim, como se eu fosse também desses sítios, uns onde estive, outros onde nunca estive, consciente, no entanto, de que sempre lhes pertenci. porque uma vez de olhos abertos, uma vez abertos os lugares dentro de nós, todos os passos interiores são em direcção à morte, desde que nos transformem. chegamos cientes, saímos diferentes. falo de lugares e de sítios porque são unos, como os olhos abertos à morte, ao passado ou ao momento. falo de mim quando tento transformar-me em morte ou dar passos de encontro a ela para que me transforme. uno com o momento, este, eu falo da morte que me vai percorrendo o interior dos sítios, mudando a paisagem de tanto me mudar. é esta transfiguração, esta aparição de mim a mim próprio na luz fosca do horizonte, a assimilação do que sou e dos sítios que habito, que me morrem entre os dedos, que se perdem também por eles; é este não saber de outra coisa que não o estar vivo, independentemente de todos os sítios que me morrem, ou dos que me matam; é este ser todas estas coisas que me desperta para a manifestação do que realmente sou. porque eu não sou o que entra pelos meus sentidos, nem os meus pensamentos, nem as minhas emoções. se eu os fosse eram eles que me teriam, que me possuiriam, ao invés de ser eu a tê-los aqui dentro, neste lugar onde tudo o que é exterior se transforma, morre, levando-me para mais perto de onde estou. a morte é a transformação, a transmutação dos sítios, dos olhos, do passado, do momento. a morte é isto, este aparecer-me, este descobrir-me nú no meio de pensamentos e emoções. comovo-me ao ver-me assim, aqui, só, à espera que me encontrem como eu me encontro, no interior de mim, a crescer-me; no interior da consciência, a ser-me. ela não é o que penso nem o que sinto; é fora dela que se inicia um gesto, uma vontade, um ser. ela só nos faz saber que aconteceu.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=111864