Textos : 

morrer a dois. dueto com margarete.

 


José Roque

será sempre assim, enquanto o passado se mantiver igual a este momento. chegamos aos sítios, abrimos os olhos e aprendemos qualquer coisa antes de irmos para outro sítio. a morte é só o ir para outro sítio. quando penso em todos os sítios que já percorri relembro como lhes vi morrer dentro um pouco de mim, como se eu fosse também desses sítios, uns onde estive, outros onde nunca estive, consciente, no entanto, de que sempre lhes pertenci. porque uma vez de olhos abertos, uma vez abertos os lugares dentro de nós, todos os passos interiores são em direcção à morte, desde que nos transformem. chegamos cientes, saímos diferentes. falo de lugares e de sítios porque são unos, como os olhos abertos à morte, ao passado ou ao momento. falo de mim quando tento transformar-me em morte ou dar passos de encontro a ela para que me transforme. uno com o momento, este, eu falo da morte que me vai percorrendo o interior dos sítios, mudando a paisagem de tanto me mudar. é esta transfiguração, esta aparição de mim a mim próprio na luz fosca do horizonte, a assimilação do que sou e dos sítios que habito, que me morrem entre os dedos, que se perdem também por eles; é este não saber de outra coisa que não o estar vivo, independentemente de todos os sítios que me morrem, ou dos que me matam; é este ser todas estas coisas que me desperta para a manifestação do que realmente sou. porque eu não sou o que entra pelos meus sentidos, nem os meus pensamentos, nem as minhas emoções. se eu os fosse eram eles que me teriam, que me possuiriam, ao invés de ser eu a tê-los aqui dentro, neste lugar onde tudo o que é exterior se transforma, morre, levando-me para mais perto de onde estou. a morte é a transformação, a transmutação dos sítios, dos olhos, do passado, do momento. a morte é isto, este aparecer-me, este descobrir-me nú no meio de pensamentos e emoções. comovo-me ao ver-me assim, aqui, só, à espera que me encontrem como eu me encontro, no interior de mim, a crescer-me; no interior da consciência, a ser-me. ela não é o que penso nem o que sinto; é fora dela que se inicia um gesto, uma vontade, um ser. ela só nos faz saber que aconteceu.
 
Autor
JoseRoque
Autor
 
Texto
Data
Leituras
922
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
6 pontos
6
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
mim
Publicado: 20/12/2009 23:36  Atualizado: 20/12/2009 23:36
Colaborador
Usuário desde: 14/08/2008
Localidade:
Mensagens: 2857
 Re: morrer a dois. dueto com margarete.
sempre a andar e a aprender...e por aqui muito gostei de ler!

Beijocas aos dois

Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 20/12/2009 23:43  Atualizado: 20/12/2009 23:43
Colaborador
Usuário desde: 22/09/2008
Localidade: Ansião
Mensagens: 5058
 Re: morrer a dois. dueto com margarete.
Excelente viagem.
Magnífico texto.

Abraço

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 20/12/2009 23:48  Atualizado: 20/12/2009 23:48
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: morrer a dois. dueto com margarete. para henrique e mar
eterneço-me de vos ver de mãos dadas pela escrita e pela vida,por dentro e por fora.e nem me interessaria o que dizem...apenas olhar-vos já seria poesia suficiente para mim.

um beijo aos dois

alex

Enviado por Tópico
Moreno
Publicado: 21/12/2009 00:27  Atualizado: 21/12/2009 00:27
Colaborador
Usuário desde: 09/01/2009
Localidade:
Mensagens: 3482
 Re: morrer a dois. dueto com margarete.
na minha opinião de leitor, o esplendor de um dueto é quando cada um dos autores se consegue fundir na escrita. este texto é disso prova... como se transforma, aprende e cresce num lugar assim...

felicito ambos pela grandeza deste texto!

Abraços

Enviado por Tópico
antóniocasado
Publicado: 21/12/2009 02:54  Atualizado: 21/12/2009 02:54
Colaborador
Usuário desde: 29/11/2009
Localidade:
Mensagens: 1656
 Re: morrer a dois. dueto com margarete.
Ola

Em todos os lugares que passamos fica sempre alguma coisa, e alguma coisa do que fica esvai-se em nós, como uma perpétua saudade. A transmutação da morte é a mudança, quando ela encerra o conhecimento da alteração e a aprendizagem possível.

antóniocasado

Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 21/12/2009 21:01  Atualizado: 21/12/2009 21:01
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8102
 Re: morrer a dois. dueto com margarete.
Eu que vos conheço tão bem não consegui descobrir o que cada um escrevweu. Muito bem conseguido no entrosamento das ideias. Um texto uno. Beijinho aos dois poetas