
A VOZ DE... ALVARO DE CAMPOS
Data 08/03/2010 20:08:54 | Tópico: Poemas -> Dedicatória
| Vem! Vem de lá do fundo do eterno! Dos abismos mais profundos dos suicidados Onde a glória consiste no espezinhar de uma formiga, Atirá-la, depois de esmagada, por uma ravina E esperar que o vento a projecte contra um rochedo!
Vem! Vem vingar a ausência de sorte que nos deram por vida! Os pensamentos recônditos que a ti mesmo recusaste! Os gritos que não deste! Os choros que não tiveste! Nem quando a lâmina do ódio ou da indiferença Retalhava de gemidos a tua carne e te forçava a confessar O que só a ironia da gargalhada sustenta como verdade!
Vem! Vem! Oh alma penada! Ectoplasma virulento e tímido! Vem do externo da tua extrema bondade acutilante Dizer aos homens que é possível serem livres! Vem gritar todas as coisas que a morte te ensinou!
Vem! Penetra-me na alegria como o pénis erecto numa vagina! Emprenha-me o cérebro com as tuas ideias vândalas! Os teus ideais encontrados num livro junto ao lixo social Quando ainda mordias a línguas e rasgavas a boca De tanto ser e nada ser, sendo! Arrasta-me até ti pederasta do meu corpo, se não vieres! Prostitui-me nos grandes navios, nos mastros, nos conveses Onde imploraste que te prostituíssem Até que sinta o teu gelo algemar-me à vida!
Vem! Minha vida é uma ilha perdida num mar sem naco de terra! O meu paraíso é todo o sitio onde me socorro sozinho! Vem acompanhar o único habitante do meu mundo!
Só eu sei de mim e mais ninguém! Só eu, para além de ti, que sabes de todos e não sabes quem são… Que miséria ser forçado a viver num mundo que nem é o meu! Aqui, cada pessoa é um barco naufragado junto à muralha Implorando a misericórdia de um rochedo vão e inútil Num dia de vendaval teórico e obsceno!
Oh meu irmão em espírito! Meu cão sem trela nem dono! Quero luz! Esta luz não me pertence nem eu sou dela! Esta luz de encantos e seduções frustradas! A mesma luz que usavas quando sorrias, ou não sorrias, Ou mentias fingindo que mentias para que fosse verdade Depois das longas horas de merda às voltas com um jornal!
Vem! Vem ao encontro dos mesmos limites de amor e ódio Que se revezavam pela tua inocência ou pela tua revolta Quando ainda acreditavas que o amor era possível! Ou não…
António Casado Luso Poemas
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