De Angola com amor - II

Data 16/03/2010 10:41:29 | Tópico: Crónicas


Na madrugada de 14 para 15 de Março os rios e os mares na fúria intempestiva galgaram os leitos e saíram à rua, irrompeu pelos musseques* com a mesma fúria da polícia em acto de desalojamento levando tudo à sua passagem.
A mãe Lisa no afã de socorrer os 2 filhos mais novos não conseguiu segurar um outro mais velho que voga agora na penumbra de uma morte que lhe estava anunciada pelas condições do barraco de folhas de zinco plantado numa língua de terra que se estende pelo mar dentro.
O Paulo, serralheiro de profissão viu o seu único tesouro, um fogão a gás a ser levado pela enxurrada e chora pela sua Maria que terá de queimar de novo as mãos nas brasas incandescentes onde coloca a lata que lhe serve de panela.
Do musseque da nova marginal, paredes meias com o memorial da independência onde repousam os restos mortais de um dos seus artífices, até ao Cazenga, passando pela Corimba e atravessando o Bairro Popular a morte saiu á rua sem ser anunciada, anunciam-se agora os óbitos na lengalenga das carpideiras num bailar de morte que dará lugar à festa das almas que se foram, porque o povo encontra na mais profunda das tristezas uma razão de celebração quiçá de libertação das trevas para a luz.
E eu? Eu não dei por nada, dormia um sono onde entrementes amaldiçoava o facto de ainda não ter o aquecimento de água instalado e ter que tomar banho de água fria.


*Musseque – denominação angolana para favela ou bairro de lata.

Nota: A tempestade que se descreve não foi noticiada pelos órgãos de comunicação afectos ao poder.





Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=124042