Quando for de novo

Data 26/03/2010 14:50:36 | Tópico: Crónicas


Há dias que não me apetece escrever poesia, apetece-me só escrever, solto, livre sem amarras, de rimas ou o verso certo que me agrilhoa. Há dias que o meu pensamento divaga à velocidade do punho que lhe marca o ritmo, cozo-me de dentro para fora e ostento na lapela a foto que arranco lá do fundo onde me encontro, tem vezes que nem eu próprio me reconheço na dobra da costura que fiz para mim, e com o bico da tesoura e paciência sem fim vou-me descosendo ponto por ponto soltando o pano e soprando as linhas.
Sou assim um pano onde a teia se cruza com a trama formando um fato remendado a ponto corrido, sem a beleza de um ponto cruz. Gostava de ser pano solto no mastro de um navio, nau fecunda de quilha contra a maré mas vejo-me assim a modos que um esparadrapo de juta remendada no cós em missa de domingo, queria ser linho nas mãos delicadas das tecedeiras da minha terra, sinto-me rede maltratada pelas mãos calosas do pescador.
Mas quando for seda de novo vou dar mais atenção aos bichinhos que me regurgitam num labor sem fim, pequeninos e praticamente insignificantes tecem o mais suave dos toques que o tacto almeja.




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