Ouroboros Finita

Data 26/03/2010 18:48:52 | Tópico: Prosas Poéticas

• As trevas erguem-se do interior e chegam até mim, à consciência de mim, ao meu rosto, aos meus lábios, ao meu corpo tocado por esse círculo. Roçam como se atravessassem uma multidão invisível, tocam os meus olhos, a minha consciência, o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo e transformam-se em lágrimas que descem frias. Os meus lábios, sinto-os e sinto a memória das vezes que choro o desespero parado, mais triste, de lágrimas que descem lentamente frias.
O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que consiga imaginar o que é e as lágrimas frias que são trevas a ofuscar
os meus olhos, a minha consciência, o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo começam a ser lágrimas frias de desespero verdadeiro. O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca fria, uma faca profunda, uma lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim. Não passou muito tempo desde que a manhã nasceu. Passou muito tempo desde que me deixaste sozinha entre as trevas que se confundiam com a noite. Noutras noites, olhávamos a lua. Nessa noite, não olhámos a lua. Noutras noites, olhávamos a lua e enchíamo-nos de desejos. Nessa noite, antes e depois de nos separarmos não olhámos a lua e, era essa mesma lua que existia no céu de agora. Agora, neste momento, não sei onde estás. Imagino-te a fazer tantas coisas. Imagino-te a não te lembrares de mim. Eu via os teus olhos através da noite, sabia que estavas a meu lado e sabia que nos íamos separar. Vi-te partir. Vi os teus passos a afastarem-te, meus passos a afastar-se e eu fiquei parada perante o medo. Tu afastavas-te de mim, eu afastava-me de ti, tu afastavas- te, ficavas cada vez mais distante, eu ficava cada vez mais distante de mim. Eu sabia que nunca mais irias voltar, eu iria voltar e desejei-te mais ainda. Sei onde estás, o lugar onde te imagino a fazer tantas coisas, a não te lembrares de mim e, eu a lembrar-me de ti, um lugar de trevas, o meu lugar de trevas. No céu, a lua, é a mesma que existia quando foste embora, quando caminhei pelas ruas desertas. Lembro-me da lua quando nos conhecemos e essa lua está debaixo do teu olhar e desta noite. Lembro-me da minha mão pousada sobre a tua e esse instante está debaixo da palavra solidão, debaixo da minha mão solitária. Lembro-me de tantas coisas impossíveis, as tuas costas antes do fechar da porta e o ruído do fechar da porta para nunca mais ver o teus passos a entrar e estenderem-se ao lado do meu corpo esquecido junto ao teu. Nunca mais vi a lua, e com ela, vieram as trevas que não ma deixará ver.




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