actos contínuos

Data 20/05/2010 15:12:46 | Tópico: Duetos



com a mar





é noite fora da porta, o quarto está escuro e não é seguro falar agora, o silêncio toma-me por louca e é da minha tristeza que se riem, a noite e o silêncio juntos. eu caio porque cair não dói quando se não sente o corpo e espero que me venhas buscar esta noite, me pegues ao colo, me apertes contra o teu peito e pintes algum sentido nesta vida. estar longe de tudo, de ti, da vida, do mundo, tremer os dias em que já estive perto e desejar abandonar-me e partir para o teu lado. é a madrugada que me come a esperança, devagar, pela manhã já pouco dela restará em mim e chorar serão os meus dias próximos ou longínquos.
urge o amanhecer dentro do teu sorriso e o verde dos teus olhos, em silêncio, a dizer-me bom dia, amor. nessa amanhã já não haverá frio aos ossos e as lágrimas serão raios de sol a deitar-se sobre o branco dos lençóis.
para existires talvez esta noite durma na minha varanda ou talvez a minha casa não tenha varanda, talvez eu queira inventar-lhe uma varanda para me ser possível ver as estrelas mas, ainda assim, ter uma casa. talvez.
será aos meus braços a tua casa, sim, aos meus braços. não haverá um anoitecer sequer em que as estrelas te faltem e a lua beije o teu olhar. à varanda, o mar.
mas olha lá, o problema é que hoje não estou. ontem talvez me encontrasses porque ontem os caminhos eram os mesmos e havia ainda o tempo de se cruzarem, hoje já não estou, já me fui, hoje não. hoje sempre foi tempo para ampliar por mais de duas vezes a falta que me fazes, por isso sento-me à borda do que somos e respiro, talvez respire devagar para não chorar, talvez respire e chore porque afinal respirar e chorar são sinónimos quando lágrimas são fios de vida.
há dores que não passam, que se atravessam nos caminhos e nos impedem de ir, há dores primeiras, vagarosas, não passam, não se acanham, não se lançam, são dores que ficam sempre dentro do peito, tão dentro, tão fundo emaranhadas que o ontem cai sobre elas e o hoje não sai delas. tudo o que desfaço é porque hoje não estou, hoje não.
não te espero hoje, como alguém que na estação espera o comboio das sete e cinco para mais um dia de trabalho. um dia hás-de vir alada no vento, eu estarei à tua espera.






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