Luísa

Data 26/05/2010 10:31:00 | Tópico: Crónicas

Sempre quis ser melhor poeta. Não fui. Queria jogar futebol, tinha até certa intimidade com a bola: tentaram me levar aos quinze anos para o São Paulo - mas meu corintianismo falou mais alto. Não fui. Minha mãe me queria juíz de direito. Fiz mal e parcamente (não porcamente) um curso de letras aos trancos. Precisava trabalhar. E como não se exigia diploma na época, hoje definitivamente não mais, virei jornalista.
No jornalismo fiz a minha vida, inclusive aprendi a beber além da conta. Comecei por onde todos começavam - na reportagem policial. Via um cadáver por dia - ou mais. Coisa absurda para um menino, filho único, criado com todos os mimos. Andei nos ambientes mais sórdidos. Me apaixonei por prostitutas na noite. Talvez por aí eu tenha aprendido a respeitá-las: ninguém sabe, no fim da noite, o que é uma mulher quando lhe cai a maquiagem do rosto e ela se lembra que foi menina um dia e tem em casa filho, quando não mãe doente para sustentar. Foi assim que um dia me apaixonei por Luísa.
Eu era só um menino. E quando se é jovem há graça em tudo. Até na mediocridade. Foi na boate Sacha's, na rua Augusta, onde fervia a boêmia paulistana. Diziam que eu era menino bonito e de olhos tristes - com vinte anos todo mundo é bonito. Hoje, pela manhã, enxergo minha barba branca no rosto e sinto pena de mim.
Pois bem, Luísa se senta ao meu lado na boate ou inferninho, como chamávamos essas casas noturnas. Pede um uísque, coisa cara para o meu bolso de jornalista mal remunerado. Mas ela faz questão de pagá-lo. E um para mim também.
E vai me pagar mais tarde o quarto do hotel onde nos fomos deitar. É uma mulher vivida. Eu apenas um menino. Me dá carinho (foda-se se uso o pronome na frente), me dá seu corpo, me conta sua história de vida. Fala-me do marido, bem mais velho, que a abandonou. Eu me apaixono por ela. Quero Luísa enfim.
Começo a frequentar a boate todas as noites. E a torrar meu salário em uísque vagabundo. Mas nunca mais vi Luísa e nem me davam notícias dela. Uma tarde, saio da redação do Diário da Noite, que hoje não existe mais, na rua 7 de Abril. Caminho ao lado do meu amigo, o poeta Álvaro Alves de Faria, que editava o caderno de cultura. Vamos juntos a um bar barato, que era onde podíamos comer e pagar. No Largo do Arouche, vejo Luísa, mãos dadas com um senhor que lhe servia de pai. Estava linda com seus claros cabelos de sol. Baixou os olhos e seguiu em frente. Foi quando eu percebi que tinha vinte anos apenas.

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júlio


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