O dia a seguir à morte de José Saramago

Data 19/06/2010 22:15:14 | Tópico: Crónicas

Ou de uma religião sem vergonha.
No dia a seguir à morte de Saramago a Cúria romana através do seu boletim faccioso “l’osservatore romano” dedica enfim umas linhas à crítica da obra de Saramago numa demanda que fez lembrar os tristes tempos em que o índex e a inquisição lavravam a ferro e fogo a Europa e os novos mundos descobertos em sanhas de evangelização que ainda nenhuma religião por mais torpe e extremista conseguiu ainda imitar. Cláudio Toscani, o profícuo pau mandado arvorado em critico literário diz de “O evangelho segundo Jesus Cristo” que este constitui “um desafio à memória do cristianismo” esquecendo de referir que a citada obra é de pura e genial ficção e continua a dizer que “Relativamente à religião, atada como esteve sempre a sua mente por uma destabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica”. Também se esqueceu de dizer o douto critico que Saramago não teve como ele a sorte de uma educação académica e que as reflexões são de um homem do povo e com o povo aprendeu a ser simples, só não conseguiu intuir aquilo que a igreja queria e sempre quis ao negar educação ampla de ideias e baseando a sua doutrina na iliteracia da plebe que a reverencia. Saramago ao comparar a bíblia a um manual de maus costumes não mais diz o que uma pessoa simples e pura liberta de doutrinas diria sobre esse livro e principalmente depois de presenciar e estudar todos os genocídios e crimes praticados em nome desse livro que percorre toda idade moderna tal como a conhecemos, desde ainda antes do nascimento do cristianismo. A bíblia e principalmente o antigo testamento é uma obra comum a pelo menos 3 religiões que se têm guerreado e são responsáveis por graves crimes e atentados à humanidade, como a religião Judaica, a Muçulmana e a Cristã na forma de variadas seitas que emergiram a partir do surgimento do cristianismo, até aos dias de hoje. Quase todas as guerras pelo menos as mais fratricidas são feitas em nome de Deus.
E o tosco Toscani continua o périplo indexatório dizendo que “Um populista extremista como ele, que tomou a seu cargo o porquê do mal do mundo, deveria ter abordado em primeiro lugar o problema das erróneas estruturas humanas, das histórico-políticas às socio-económicas, em vez de saltar para o plano metafísico”. Pois, esta parte eu compreendo-o, a igreja abomina quem pensa pela sua própria cabeça e esquece-se que deviam eles próprios abordar “em primeiro lugar o problema das erróneas estruturas humanas, das histórico-políticas às socio-económicas”, como sendo o pincipal responsável desde a inauguração da era moderna dos erros em que fez incorrer toda uma fatia da história da humanidade, das trevas que lançou em toda a idade média com uma duração de quase mil anos, por puro imobilismo onde as únicas evoluções conhecidas foram na arte da guerra porque assim servia aos interesses magalómanos de uma religião que lança gerações atrás de gerações em lutas de cruzadas impossíveis que ainda hoje perduram tentando sempre em primeira análise cercear o direito á livre expressão e culto religioso.
“Colocado lucidamente entre o joio no evangélico campo de trigo, declara-se sem sono pelo pensamento das cruzadas ou da Inquisição, esquecendo a memória do ‘gulag’, das purgas, dos genocídios, dos ‘samizdat’ culturais e religiosos”, acrescenta o nosso Toscani esquecendo os 6 milhões de Judeus mortos perante a sua indiferença e encobrimento, esquecendo as milhares de vitimas de pedofilia cujos verdadeiros contornos são ainda desconhecidos e que o Vaticano sempre fez por encobrir, esquecendo a caça às bruxas da sanha inquisitória que levou a cabo até meados do séc. XVII, esquecendo que só reconheceu como tendo alma os indígenas traficados das costas africanas para laborar debaixo de chicote nas suas próprias terras em finais do séc. XVIII.
A igreja persiste nestas arbitrariedades nem sequer respeitando o dia da morte de alguém que a eles foi critico contrariando a própria benevolência de que faz alarde o deus que prega.
Como diria Saramago, “deus? Onde está deus? No céu? Mas o céu não existe!”. É uma maneira simples de ver as coisas, eu sei, mas Saramago era assim, um homem simples com questões simples…




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