MEU BAIRRO...

Data 02/07/2010 02:15:15 | Tópico: Crónicas

O primeiro contato com o meu bairro se deu no ano 1.981, e foi a partir dali que conheci o restante da cidade. Com o estranhamento natural do novato e inseguro em relação às minhas expectativas sobre o futuro, ainda assim, foi possível vislumbrar uma longa estadia nesta região. Logo de início, percebi que a vida ali tinha o charme da mistura, o lugar era multirracial, multicultural, tudo era “multimuito”. E com o espírito transgressor do jovem sonhador observei também que ali os bons sentimentos não eram somente peculiaridades psicológicas. Eram atitudes sólidas. Isso me fascinava e firmava a minha determinação em criar raízes. E assim foi... Amor à primeira vista.
Passado a primeira impressão vieram os convites para os cafezinhos caseiros que adicionados ao calor humano dessa gente simbolizava bem o resultado da miscigenação local. Uma bela mistura de cores, cheiros e sabores que construíam em mim motivos de satisfação. Era gente de todos os lugares: nordestinos, nortistas, sudestinos, sulistas... A convivência harmoniosa com essas pessoas me fez despir de qualquer preconceito. As experiências adquiridas com esses migrantes fizeram com que meu mundo de encantamentos fosse ampliado a cada dia. Tive muita sorte por desfrutar de toda essa diversidade que representa os vários ‘brasis’ existentes no meu bairro.
Conforta-me muito saber que o modo que tenho de ver e pensar o mundo teve fortes influências neste local. Conhecer e conviver com pessoas como o “seu” Waldomiro da Farmácia (profissional com uma postura ética e uma habilidade para unir competência e humildade, que era impossível não admirá-lo); o “seu” Zé Padeiro (exímio conhecedor e observador político de Rondonópolis); “seu” Medeiros (homem que se fez empreendedor, quando o empreendedorismo ainda não era palavra de ordem.), e tantos outros, me fizeram melhor. Assim, vida pessoal, e a vida profissional ambas colheram mais bônus do que ônus, enquanto eu me fazia útil e funcional no meu trabalho.
Hoje sei que minhas vivências neste bairro, enquanto profissional de farmácia, possibilitou-me aprendizados que fazem parte da minha formação, e foi deste modo que entendi o valor das diferenças; descobri nas minhas imperfeições e na dos outros que somos seres inacabados, o que evidencia a grandeza de saber viver nas divergências; saber que os obstáculos que a vida oferece são estímulos para arquitetar o espetáculo da tolerância, e dessa forma, nessa construção humana consentir um pouco de Deus em mim. Só assim, posso adquirir a habilidade de não permitir que meus interesses comerciais, ou minhas simpatias de balcão me furtem as possibilidades que eu tenho de servir.
Noto, no meu bairro que às pressas de alguns são antagônicas com as demoras de outros, são os contrastes entre o moderno e o antigo, entre os agoras e as saudades, mas o bom é saber que toda essa dinâmica chamada vida adquire formas de esperanças, que se convertem em uma energia boa, que motiva as pessoas a darem continuidade na busca dos seus sonhos. Aliás, essa riqueza de significados se faz presente na fé, na gratidão e na generosidade da minha gente, e são estes os sentidos maiúsculos que temperam os motivos do acolhimento proporcionado por esse povo que aqui vive ou trabalha.
Pois bem! Assim é o meu bairro: dos serviços, dos esportes, dos sabores, dos amores, das contradições, das pressas, das calmas... Do Manus, do Vilson e do Queijinho, do Zé e da Dona Maria, do Léo e da Luzia... Assim sou eu: recolhido no conforto da dúvida, vejo o tempo perder a pressa na certeza que hoje sou um pouco mais este BAIRRO.




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