1 DE AGOSTO DE 1970

Data 01/08/2010 08:28:18 | Tópico: Poemas -> Introspecção

Primeiro dia do mês de Agosto de 1970, oito horas e quarenta e cinco. Estação de Santa Apolónia em Lisboa.
O expresso Lisboa-Paris, começou a rodar, devagar, pouco a pouco mais rapidamente e lá foi deixando Lisboa.
Nessa mesma semana, tinha-se realizado o funeral do ditador Oliveira Salazar.

O comboio estava praticamente esgotado, os lugares que restavam eram poucos.
Passageiros que iam de férias até Paris, outros que regressavam de férias e lá iam a caminho de França para retomar as suas actividades, e outros, como eu, os menos inteligentes que tentavam ir para França na esperança de uma vida melhor e também para irem à procura da Liberdade, coisa que para mim era completamente desconhecida, diziam que existia, mas eu não tinha a certeza, visto o próprio Oliveira Salazar disse numa entrevista a um Jornal belga dessa época, que Portugal era um pais livre e um País de filhos, dos quais ele era o pai. Meu não era de certeza, por todas as razões e mais uma.

Quando digo que os que iam como eu procurar uma vida melhor eram os não inteligentes tenho razão. E porquê tenho razão?. Porque os inteligentes ficaram em Portugal, muitos com a sua inteligência de exploradores, vigaristas e passo, esses conseguiam ganhar a vida sem problemas e defendiam a politica fascista, pois que era com ela que não tinham problemas, muitas vezes à custa da liberdade dos amigos, que a troco de 500 escudos por mês os denunciavam à PIDE.
Claro que também houve quem não tivesse deixado o seu País por falta de coragem ou por amor à sua terra natal o que é logicamente compreensível.

E lá vim, faz hoje 40 anos que embarquei em Lisboa e nunca me arrependi, vim para França, construí a minha vida, não voltei a Portugal a não ser de férias e tenho que dizer, com muito gosto, visitar os amigos e a família, é algo que não se pode negar.

Quando os serviços de saúde de me colocaram na invalidez, ainda tentei voltar, estive quase três anos em Portugal, em São Mamede, a 5 quilómetros do Bombarral e pouco mais ou menos 3 de Óbidos onde tive o prazer de assistir aos treinos da Selecção Nacional de Futebol e também ser filmado para a RTP à porta dos estádio de Óbidos, assim os meus amigos em França, tiveram a possibilidade de me ver, isto, para o campeonato da Europa em Portugal, mas não deu certo. Os serviços de saúde deixaram muito a desejar principalmente o Hospital das Caldas da Rainha onde cheguei doente e mandara-me embora porque eu não tinha nada. Pois não, não convencido, vim a França e o meu cardiologista depois de me fazer os exames necessários encontrou que eu tinha uma nova angina de peito e fui internado de urgência no Hospital de Clermont Ferrand.

Quando deixei o hospital, repousei-me uns dias e voltei a Portugal, pois, mas com um camião para trazer para aqui a mobília senão se calhar a esta hora já não andaria por cá a contrariar aqueles que não gostam que eu diga as verdades.

No dia dois de Agosto ás 17 horas, vi, enfim paris, mas habituado à falta de organização portuguesa, pensava eu que a França era a mesma coisa, desde que deixei a gare de Austerlitz, chamei logo um táxi, fazendo sinal ao taxista, ele não parou e eu disse cá para mim, que não era correcto o que no fim quem não estava correcto era eu, pois que logo fui chamado à atenção por agente da policia e de forma nada agradável, fazendo-me compreender que tinha que ir para a fila de espera, pois é, disse cá para os meus botões, a diferença para mim, começou à saída da gare francesa.

E a partir daí, a minha vida mudou, liberdade, nível de vida, não comprei casa em Portugal porque nunca foi minha intenção, que não vim para aqui, foi, por exemplo se visse um par de sapatos numa montra ir comprar sem ter que pagar a prestações como em Portugal isso me aconteceu. Comprei casa, sim, mas em França. Portugal deve-me muito e eu nada devo a esse Pais.
Lá trabalhei 28 anos, com ordenados razoáveis em relação à maior parte dos trabalhadores em Portugal devido à minha profissão e hoje, Portugal paga-me 194,00 euros por mês de reforma, logo é Portugal que me deve.

Fico por aqui, isto já vai longo, desculpem-me mas queria partilhar esta felicidade que tenho de ter deixado o meu País que adoro,, no dia 1 de Agosto de 1970, 40 anos de França, uma vida!

A. da fonseca







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