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1 DE AGOSTO DE 1970

 
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Primeiro dia do mês de Agosto de 1970, oito horas e quarenta e cinco. Estação de Santa Apolónia em Lisboa.
O expresso Lisboa-Paris, começou a rodar, devagar, pouco a pouco mais rapidamente e lá foi deixando Lisboa.
Nessa mesma semana, tinha-se realizado o funeral do ditador Oliveira Salazar.

O comboio estava praticamente esgotado, os lugares que restavam eram poucos.
Passageiros que iam de férias até Paris, outros que regressavam de férias e lá iam a caminho de França para retomar as suas actividades, e outros, como eu, os menos inteligentes que tentavam ir para França na esperança de uma vida melhor e também para irem à procura da Liberdade, coisa que para mim era completamente desconhecida, diziam que existia, mas eu não tinha a certeza, visto o próprio Oliveira Salazar disse numa entrevista a um Jornal belga dessa época, que Portugal era um pais livre e um País de filhos, dos quais ele era o pai. Meu não era de certeza, por todas as razões e mais uma.

Quando digo que os que iam como eu procurar uma vida melhor eram os não inteligentes tenho razão. E porquê tenho razão?. Porque os inteligentes ficaram em Portugal, muitos com a sua inteligência de exploradores, vigaristas e passo, esses conseguiam ganhar a vida sem problemas e defendiam a politica fascista, pois que era com ela que não tinham problemas, muitas vezes à custa da liberdade dos amigos, que a troco de 500 escudos por mês os denunciavam à PIDE.
Claro que também houve quem não tivesse deixado o seu País por falta de coragem ou por amor à sua terra natal o que é logicamente compreensível.

E lá vim, faz hoje 40 anos que embarquei em Lisboa e nunca me arrependi, vim para França, construí a minha vida, não voltei a Portugal a não ser de férias e tenho que dizer, com muito gosto, visitar os amigos e a família, é algo que não se pode negar.

Quando os serviços de saúde de me colocaram na invalidez, ainda tentei voltar, estive quase três anos em Portugal, em São Mamede, a 5 quilómetros do Bombarral e pouco mais ou menos 3 de Óbidos onde tive o prazer de assistir aos treinos da Selecção Nacional de Futebol e também ser filmado para a RTP à porta dos estádio de Óbidos, assim os meus amigos em França, tiveram a possibilidade de me ver, isto, para o campeonato da Europa em Portugal, mas não deu certo. Os serviços de saúde deixaram muito a desejar principalmente o Hospital das Caldas da Rainha onde cheguei doente e mandara-me embora porque eu não tinha nada. Pois não, não convencido, vim a França e o meu cardiologista depois de me fazer os exames necessários encontrou que eu tinha uma nova angina de peito e fui internado de urgência no Hospital de Clermont Ferrand.

Quando deixei o hospital, repousei-me uns dias e voltei a Portugal, pois, mas com um camião para trazer para aqui a mobília senão se calhar a esta hora já não andaria por cá a contrariar aqueles que não gostam que eu diga as verdades.

No dia dois de Agosto ás 17 horas, vi, enfim paris, mas habituado à falta de organização portuguesa, pensava eu que a França era a mesma coisa, desde que deixei a gare de Austerlitz, chamei logo um táxi, fazendo sinal ao taxista, ele não parou e eu disse cá para mim, que não era correcto o que no fim quem não estava correcto era eu, pois que logo fui chamado à atenção por agente da policia e de forma nada agradável, fazendo-me compreender que tinha que ir para a fila de espera, pois é, disse cá para os meus botões, a diferença para mim, começou à saída da gare francesa.

E a partir daí, a minha vida mudou, liberdade, nível de vida, não comprei casa em Portugal porque nunca foi minha intenção, que não vim para aqui, foi, por exemplo se visse um par de sapatos numa montra ir comprar sem ter que pagar a prestações como em Portugal isso me aconteceu. Comprei casa, sim, mas em França. Portugal deve-me muito e eu nada devo a esse Pais.
Lá trabalhei 28 anos, com ordenados razoáveis em relação à maior parte dos trabalhadores em Portugal devido à minha profissão e hoje, Portugal paga-me 194,00 euros por mês de reforma, logo é Portugal que me deve.

Fico por aqui, isto já vai longo, desculpem-me mas queria partilhar esta felicidade que tenho de ter deixado o meu País que adoro,, no dia 1 de Agosto de 1970, 40 anos de França, uma vida!

A. da fonseca






SOU COMO SOU E NÃO COMO OS OUTROS QUEIRAM QUE EU SEJA

Sociedade Portuguesa de Autores a Lisboa
AUTOR Nº 16430
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Alberto da fonseca
 
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Enviado por Tópico
AnaCoelho
Publicado: 01/08/2010 09:51  Atualizado: 01/08/2010 09:51
Membro de honra
Usuário desde: 09/05/2008
Localidade: Carregado-Alenquer
Mensagens: 11253
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
Alberto

Gostei de ler este caminho a marca do tempo um histótia de força e coragem em busca da liberdade e da estabilidade.

Beijinhos


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/08/2010 15:04  Atualizado: 01/08/2010 15:04
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
Li, com todo o interesse, este apontamento belíssimo que nos faz rememorar tempos recentes, mas passados, em que as nossas vidas se alteraram radicalmente.

Muita saúde

Abraço


Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 01/08/2010 16:30  Atualizado: 01/08/2010 16:30
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
Já sabia que emigrou por ser um anti-fascista.
A minha admiração aqui ficam os meus aplausos.
Sou-lhe grata a si e a todos aqueles que deram a vida, ou anos de vida, para que hoje todos nós digamos o que pensamos, em liberdade.
Abraço
Vóny Ferreira


Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 01/08/2010 16:42  Atualizado: 01/08/2010 16:42
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
Um testemunho de alguém, que, à semelhança de tantos outros, resolveu tentar a sorte num outro país com sucesso.
Todos temos uma história de vida, mas alguns terão certamente muito mais para contar do que outros.

Desse ano, só me recordo do nascimento da minha irmã, logo, uma data importante também para mim!

Um beijo para si, Alberto, que, apesar de tudo, se sente português... ou será que estarei enganada


Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 01/08/2010 23:01  Atualizado: 01/08/2010 23:01
Usuário desde: 22/08/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 3357
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
sabes Alberto eu tinha um ano e apesar de não ter vivido esses tempos de fascimo senti na pele os sacrificios a que fui submetida por ser filha de pais pobres, que foram várias vezes para a fila com senhas um kilo de arroz.
da minha mãe ter abortado um filho depois de ser surrada por uma funcionária da pide, e esta não ser punida, e nesta briga em que nada teve a ver com idiologias politicas mas por espaços numa corda de roupa.

foste embora deste país na mesma semana em que faleceu Salazar ainda bem assim não tiveste que lhe mandar flores, porque esse verme merecia era um molho de ortigas.

embora ache que a nesta nossa liberdade encoberta andem muitos vermes que merecem as mesmas ortigas.
mas ainda assim prefiro a liberdade.

beijo


Enviado por Tópico
eduardas
Publicado: 01/08/2010 23:09  Atualizado: 01/08/2010 23:09
Colaborador
Usuário desde: 19/10/2008
Localidade: Lisboa
Mensagens: 3731
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970 p/Alberto
Viagem de uma vida, de tantas vidas que começaram neste dia.

São memórias destas que hoje vemos seguidas, dos tantos que abalam deste País para encontrar noutros melhores condições.

bj
Eduarda


Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 01/08/2010 23:26  Atualizado: 01/08/2010 23:26
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16075
 Re: 1 DE AGOSTO DE 1970
Amante que sou da História Mundial, fui preso por tuas linhas saborosas quando citou Salazar, ditador portugues. Mas tão deliciosa foi tua forma de narrar que não deixei o texto até o final. Sinal de que a leitura foi agradável e boa. É uma pena ter que deixar o país de origem em busca de uma vida melhor, já que ele deveria proporcionar isso aos seus filhos. Obrigado por partilhar conosco tua vivência bonita. Parabéns pela forma carinhosa de nos contar. Um abraço forte do amigo do outro lado do mundo, mas muito próximo no coração!