A explicação singular do torto

Data 22/08/2010 21:36:51 | Tópico: Textos

O friso do tecto faz uma curva e isso não se explica com “porque sim”.
Já o pedreiro fazia uma curva... ou várias e isso também não se explicava com “porque sim”. Era coisa arreigada ao vinho ou ao prumo que nunca caía a direito (esse porque não) ou à esquadria que não tinha ângulos rectos porque sei lá porquê.
No fim lá se ouvia uma explicação estapafúrdia no género mais imperceptível, agarrada à boca atabalhoada e pouco sincera do desorganizado. Já o importante arquitecto, senhor da sua razão, encolhia os ombros porque o boneco estava feito e ficava bonito no papel. Teoria sempre a direito.
À vista do opinante tudo não parecia mais do que uma grande trapalhada. Mas, na realidade, tudo não é mais do que um provável talvez, explicado com a certeza de uma dúvida que de certa só tem a pergunta. E, esta, nunca se fez com a convicção maior do que um agrafe que espera por um saca-agrafes que hesita entre os dois que há-de sacar. É só uma questão de medidas, do que cabe e do que não cabe entre os dentes pontiagudos, mortinhos por se fazerem úteis.
Lá se vai compondo o aglomerado, entre diagonais mal tiradas com aspecto de parábolas disfarçadas e vertico-horizontais pouco convictas entre a necessidade de estar de pé ou o desejo de ficarem deitadas.
Passa-se a vistoria e de erro não há quem diga. Antes houvesse, antes houvesse e teríamos alicerces verdadeiros a esmagar os contornos mais desadequados que se podem notar.
Três pedras e meia sob uma cidade cheia fazem dela a mais bela entre as mais feias, que da urbanidade não rezam calhaus a cobrir os venenosos lacraus .
Assim, como a história é sempre vertical, faz-se de mãos, de calos e quentes mães amortalhadas por lençóis mais brancos do que os sujos. São da coisas da vida.
O friso do tecto continua a fazer a curva. Não devia mas continua e a gente repara sempre nela.

Valdevinoxis


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