
A ESPERANÇA
Data 26/09/2010 00:14:21 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| Fito a Esperança que passa na rua… Triste, rota, desvalida… Quem me dera aquele tempo de juventude no outeiro Quando brincávamos com as estrelas e o céu Era um pedaço do tesouro que guardávamos em nós… Hoje a Esperança passa por mim na rua… Triste, roto, desvalido…
Estendo o braço como quem deseja agarrar um fio de malmequer Preso à terra por uma raiz sensível, fraca, pouco importante… Minha alma não tem alma! Entre o porão de um navio e outro Arrasto o que sobra dessa massa plasmática e quântica Consciente de não saber o que significa, nem se é verdadeiro…
Nesses porões de penumbras e pedaços de quimeras renasço ou ressuscito Num caixão apodrecido pela ousadia do tempo e dos invertebrados Ou dos elementos que se conjugam para me libertarem do peso da casa! Quero o bafio desses porões em forma de salitre nas narinas! Amarrem-me os pulsos com nó de forca e deixem-me fitar o mundo Com os olhos de um Cristo arrependido de um dia ter nascido ou morrido Sem ter escrito em nenhum papiro a história imunda da selvajaria… Quero o odor a sangue derramado estampado nas minhas narinas como açaime!
O que espero? Acaso devo esperar alguma coisa? Existe alguma coisa a esperar? Nos espinhos pontiagudos da roseira da vaidade e da inveja Haverá a réstia obscena de alguma pétala ou resquício dela? Porque sobra tanto de mim nesta cegueira inútil de ver o mundo Que passa à minha volta com um cinto apertado à cintura E uma venda de arame farpado e fios eléctricos para que me afaste?! O que espero? O átrio de uma capela sem telhado no morro de mim! As paredes destruídas de uma igreja sem janelas, nem torres, nem sinos, nada… Nem o mais que a escadaria barroca transforma em ostentação e poder! Não quero um céu azul na capa de uma revista a falar-me de deus! O céu é inacessível e o azul é marítimo e o único deus marítimo é Neptuno! Não… Não quero o azul a maltratar a minha cega íris de ira!
Rasgo o horizonte e retenho na mão uma túlipa…
Sento-me no cimo de um rochedo a apreciar os espelhos partidos Que numa manifestação invisível me rasgam a carne, violentam os órgãos Até ficarem uma massa indivisível e pútrida sobre a consciência Que me leva a cuspir visões deturpadas de tudo o que penso que vejo vendo… Sei lá aquilo que meus olhos conseguem ver…?! Não me falem de verdades… Nem mesmo eu quero saber…! A única verdade é ver-me personagem num livro infantil sem história A copular com as raízes das figueiras secas pelo sol abrasador Que aos poucos me mata de tanta ansiedade e desejo de nada…! Não! Chega de verdades! Chega de loucuras! Chega da minha insanidade!
As luzes não têm asas para voarem comigo nem o vento pés para dançar! O mar nunca será como eu, nem eu jamais serei o mar! A ilusão é a especulação de um jacinto num jardim de açucenas… Será? Sim, prefiro as orquídeas… As orquídeas malcheirosas Expostas ao desbarato sobre a puída secretária de um tribunal de formigas Quando os juízes se curvam numa atitude sexual e debochada À espera que outros poderes lhes confiram as entranhas…! Não! É claro que prefiro as orquídeas…!
Como vêm, não critico as vossas atitudes banais e mesquinhas. Não desato aos berros a dizer que sois uns imbecis Porque lhes falta coragem para mudardes algo no mundo… Não! Já ultrapassei a fase da crítica que tanto importunava! Melhor fora não terdes prestado atenção… Quem prestou atenção? A confirmação da voz que fala é o ouvido que a escuta… O silêncio é uma mera gaiola com a porta laiser trancada! O meu grito é apenas o zumbido dum mosquito sobre dejectos! Podeis dormir descansados… A rede da vossa crueldade impede a aproximação. Não há poeta que medre no jardim da vossa vontade!
Em tempos acreditei que a Esperança pudesse passar por mim um dia Lembrar-se das promessas que trocámos num circo de abraços e risos E como nómadas da realidade partíssemos à aventura de mudar o mundo… Mas mudar o mundo para o quê? Quem disse que o mundo precisa de mudança? Já lá vai o tempo do “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” Agora basta que mudem os vícios… Os preceitos devem continuar inalteráveis Como sempre o foram desde os tempos imemoráveis dos esquecidos do tempo. O que foi ontem deve continuar na perfeição do hoje e do amanhã Para que as gerações futuras não tenham mais preocupação que viver Ainda que a estrada de tão percorrida incite apenas a regredir… regredir… Porque o importante é o movimento…
Tropecei num caco de barro do vaso onde semearam a solidariedade… Quase caí… Mas levantei-me. Uma multidão de estátuas fitou-me e riu à brava! Também ri… Ri muito… Sem saber bem porquê… Mas ri… Quando lhes mostrei a mão cortada e o sangue que pingava viraram as costas… Quem quer saber? Não é com nenhum deles, é só comigo… Pois que cada um cuide de si neste auto salvamento à medida das necessidades! Quem quer saber? Ainda se a poeira astral me afogasse em brilho e luxo…! Que importância tem para humanidade a estúpida vaidade de dizer ao mundo Que escrevo o não sei bem o quê a criticar tudo o que me apetece! Como ficavam os balancés presos às árvores a entreterem incautos humanos? Quem sou eu para lhes tirar um segundo da vossa tranquila tranquilidade? Basta que me tire a mim mesmo alguma coisa e me interne num plano astrofísico Onde, sem saber o que é, possa planar suspenso por uma gravidade nula Convicto de que descobri a teoria da levitação dos corpos e o ponto zero.
Não sou petulante o suficiente para exigir alguma lágrima na minha morte. Quem nunca soube viver porque teria de morrer? Que importância tem a morte? Devemos falar dela apenas quando chega até nós e esquecê-la depois… O ócio é tudo que precisamos para ser felizes! Uma conta na suíça! Um chalé, um Ferrari, um poder… Ou simplesmente a sorte milionária De uns incrédulos ignorantes que viajam sobre tapetes iranianos… Aladinos dos novos tempos modernos… mas sem inteligência prática! Lágrimas são dor…! A dor implica algum sentimentos… Não há tempo para sentimentalismos nesta modernice felicíssima! Para que inventar superlativos para a dor?
Depois resta mostrar aos outros a única variante possível do amor do passado Representado na petulância de um peito largo e aberto à luz do sol E nuns músculos fabricados no único exercício possível no futuro – O halterofilismo da vaidade! – O sexo! Machos e fêmeas podem esforçar-se por demonstrar as suas aptidões. Não precisam amar… O sexo é um sentimento exclusivo e único. A produção de humanos precisa apenas de um ovo e de um esperma! Acaso as outras espécies não proliferam? Acaso precisam de amor? O amor é o sentimento dos derrotados, dos vaidosos, dos necessitados Daqueles que pensam que a vida só faz sentido quando é partilhada Como quem partilha um beijo, uma carícia, um sorriso, um sopro no ouvido… A reprodução não precisa disso! Precisa de química! Precisa de átomos! As ancas cheias e os peitos inflados marcam apenas a qualidade do ser Como a cor da tinta da garrafa de aguardente marca a qualidade do álcool Ou o título pintado nas sacas de estrume determina a função e a composição.
A Esperança passa meio rota, meio nua, e eu não vou com ela… Levo na mente a imagem de uma fotografia digital com uma série de pixéis Como réplica da pólvora usada pelas máquinas de antanho! Não vou com ela porque a minha alma amarrotada não segue ninguém! Recuso-me a pisar seja que pedras forem! Seja que chão for! Nenhum céu é suficientemente livre para que voe! Nenhum mar terrivelmente profundo para que mergulhe! Não quero os vossos olhos incididos sobre mim! Não quero a vossa respiração a perturbar o meu ar! Estamos em lados diferentes da vida e a minha ponte está tombada! Não tenho espaço e nem o espaço que tendes para mim me serve! Não sou vosso senhor nem me aceitarei vosso servo! Nada do que sois, quereis, amais, defendeis, me fascina! Deixem-me na minha cabana junto ao canavial da infância A escrever nas nuvens a história de um mundo metafísico e cruel Onde caiba a humanidade inventada pela minha imaginação mirabolante e diabólica! Quero inventar um jardim onde caibam todas as flores e árvores Onde um dia possamos respirar a pureza de um ar de paz e sonho Produzido à medida da satisfação do ser humano enquanto ser humano! Quero viver no meu mundo fantasma, ilógico, não cronometrado Onde é possível ouvir os pássaros, as cigarras e as flores Contarem cenas cinematográficas de um homem apressado, desinteressado, frívolo Vistas numa sala de cinema alguns momentos atrás Muito antes da decadência ter assumido a postura de rainha e governar!
Neste pedaço de lodo para onde me empurraram, quero viver. Não preciso de nada, porque nunca precisei de nada! Nem das mãos que não se estenderam… Nem dos olhos que apenas me viram… Quero ficar aqui sozinho, ruminar a distância que me leva ao sonho Acreditar que posso ir mais além… Quero acreditar na utopia das palavras rudes que ferem a ilusão Quando me fizeram acreditar que a poesia tinha voz… E fui feliz… Quando me sentei despreocupado na berma do passeio Atirei com o dedo a rolha metálica de uma bebida qualquer e ela não caiu… E fui feliz…
A Esperança passa…
De mãos dadas Não tenho tempo Para querer mais tempo…!
Visto uma pétala violeta Sobre a pele incolor E sinto-me ninfa… É isso! Quero ser uma fragrância… Apenas fragrância…
Dispo as urtigas de sobre a pele e a sarna Decepa-me os membros de tanto acreditar em tudo Numa inocência própria da imbecilidade… “Pensei que as urtigas fossem amigas…!” Confundia-as com as violetas… Não são nada! Estão limitadas à condição de si mesmas sem asas nem risos! Fazem o que podem e o que podem é magoar! Então magoam! Doem… A mão estendida é falsa! As palavras bafientas! As promessas irónicas! São urtigas, não são violetas…
E eu, borboleta ou centopeia, não sabia…
Apenas fragrância…
antóniocasado 26-09-10
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