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 FELIZ DE QUALQUER JEITOData 22/10/2010 18:26:50 | Tópico: Prosas Poéticas
 
 |  | FELIZ DE QUALQUER JEITO
 
 Estou cansado de tudo o que tem que ser...
 De como devo flertar com a virtude,
 Amar, convincente, minha mulher
 E ser, por isto, reciproca e convenientemente amado
 Pagar as malditas contas no dia certo
 Comprar comida no supermercado
 Esperar passar a chuva em lugar coberto
 Trabalhar bovino de segunda até sexta
 Receber por mês, descrente, um bom salário
 Ir envolto em sacolas à feira, comer pastel
 Cuspir conversa fora nos jantares de sábado
 Almoçar ressacado domingo na sogra
 Jogar aquele velho futebol de quinta
 E ao largar a bola, encher a cara
 Numa ou noutra noite, ter um gozo,
 Virar suado de lado, sacana e esvaziado
 E perceber certa manhã no ritual do espelho,
 Que os olhos estão cada vez mais fundos...
 
 Por Deus...
 Quando virá aquele inferno inesperado?
 O fôlego estuporado, perdido
 A incerteza de um céu caindo
 Sobre um mar de ardente lava
 
 Onde está
 O famoso fim de mundo desprogramado?
 
 Desçam breves,
 cavaleiros do apocalipse,
 Pisando impiedosos nestas cabeças escravas!
 
 Quero logo o mórbido temor
 De que a vida talvez me escape;
 Presenciar em pânico
 A fuga em massa das almas;
 Quero um quase certo morrer
 E um irresoluto e vacilante viver!
 Quero um contínuo
 Por um triz
 Entre choros e rangidos de dentes
 
 Quero, sim,
 Valorizar todas as coisas
 Que não tenho e jamais terei
 E que, por isso mesmo, desdenho
 Como não fosse eu
 Merecedor delas
 
 Quero, sem saber como,
 Sem buscar modo,
 De qualquer jeito mesmo,
 Nem que morra o mundo todo
 Num mar embatumado de lodo,
 Ser feliz.
 
 
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